Lista de Desejos da Wook

abril 28, 2020

E quem é que nunca se perdeu na wook? Entre sinopses e opiniões de leitores? Aliás quando não tenho nada para fazer, é lá que mergulho.

Uma das maiores dificuldades que sinto na pesquisa literária, é a dificuldade em encontrar alguma coisa, aquela "coisa" especial que me tire os pés do chão. É por isso um prazer enorme ver uma lista de desejos tão composta, porque nada é tão terrível como não ter nada para ler.

Alguém sabe os meses que passei à procura de "Anne of Green Gables" por ai? E afinal o único problema era que que a tradução do livro em português era diferente. 
Vi a adaptação do livro na netflix e senti-me (como toda a gente acho eu) conectada com a Anne. O seu espirito livre, a imaginação sem precedentes e a resiliência são algumas das minhas características preferidas desta protagonista.



Este livro acompanha a vida de dois irmãos ao longo de 5 décadas. The Dutch House foi uma casa construída pela família VanHoebeek, que fez fortuna na industria do tabaco. Mais tarde, um magnata compra essa mesma casa para a oferecer à mulher, que, dada a opulência que a rodeia se transforma num fantasmas de si própria e acaba por fugir, para a India. 



A primeira vez que ouvi falar deste livro foi na Hannah Montana, uma cena qualquer da ultima temporada que envolvia o irmão da Miley e uma veterinária. Sempre tive curiosidade para ler o livro, mas achei esta versão ilustrada deliciosa. 
Para quem não está familiarizado com este livro, é um retrato de raças e classes sociais, inocência e injustiça, hipocrisia e heroísmo, tradição e transformação nos anos 30 dos EUA.

Vencedor do Booker Prize 2019, Girl, Women, Other é uma carta de amor a doze mulheres pretas, cidadãs do Reino Unido. A questão que muitos colocam é: como é que pode uma autora, falar-nos de tantas perspectivas de vida e dar-lhes vozes tão distintas?


O Cão que Guarda as Estrelas, de Takashi Murakami é uma obra sensivel, que explora a relação entre o homem e o animal doméstico. 
Quando o dono deste cão, o Happy, é abandonado pela esposa e filhas, é o animal que fica com ele. A peculiaridade desta história é que, é contada do ponto de vista do cão.




Vi várias vezes o trailer deste filme. Um pai que tenta salvar o filho da autodestruição, provocada pelas drogas. O relato contado pelo pai fala-nos de um menino brilhantes, que se transformou numa sombra de si mesmo (admito estas palavras não são minhas). 
Sheff é jornalista e recusou-se sempre a desistir de Nic, de uma forma profunda e com uma narrativa arrepiante, foram estas algumas das qualidades que me foram descritas quando falei do livro com algumas pessoas.
                   

Não sei por qual estou mais ansiosa, mas Guerra e Paz tem que ser riscado ainda este ano!


Highlights da Semana

Highlights da Semana

abril 26, 2020

Esta foi uma das semanas em que me senti mais (passo a expressão) blhá. Por muito que fizesse, inventasse, lesse ou escrevesse foi uma semana em que me senti, no geral, para baixo. E é normal, tem que ser normal haver semanas ou dias em que temos saudades da vida como era.
Infelizmente esta semana não há um livro favorito, mas vou tratar disso na próxima. Entretanto, aqui vai:

Ainda me lembro, de estar parada à frente do cinema no Strada e de a Diana me ler esta crónica da Visão. Entretanto li-a mais 20 vezes. Tornou-se uma gargalhada fácil ler isto em voz alta, a imitir mães e pais de mundos completamente diferentes? A pergunta que fica depois desta crónica é: também sentem que há extratos sociais nas praias?


Verdades Secretas é uma novela (ou série como preferirem) da globo. Um escândalo do inicio ao fim, a tragédia que se constrói em volta de uma relação proibida e com o que "quê" de incesto fez-me sempre lembrar uma verdade atual de Eça de Queiroz. Personagens tipo, um trabalho psicológico excelente e claro... visualmente falando, de cortar a respiração. 



Quem é que já não espreitou noticias sobre a Kim Kardashian e o seu projeto de advocacia? Eu admito que, deitei o olho a algumas confusões que existiram recentemente com esse projeto. Achei interessante este video porque há uma componente explicativa, e para quem gosta de direito, nem que seja numa desportiva (no meu caso), acho que vale a pena.

Rhys Lewis. O dono todo poderoso das bandas sonoras que, compões todas as histórias que escrevo. 
Nem tenho muito a dizer para além de: Obrigada à rapariga fantastica que me indicou esta música maravilhosa e... VOLTA LEWIS QUE DESTA VEZ EU VOU!

O meu amor pela nintendo vem de cedo. Ahhh doces recordações, de correr escada acima atrás dos meus primos para eles me deixarem jogar nos seus gameboys advance. Claro que me fecharam sempre a porta do quarto na cara e eu tinha de esperar que se fossem embora, para ir procurar aquelas máquinas, que até desligadas me pareciam bonitas.
Gostava um dia de falar das minhas batalhas com esta consola, mas adiante...ANIMAL CROSSING. 
Construir, pescar, montar tendas e explorar. Admito que é dificil para um adulto encontrar conforto em pequenas e simples peças de tecnologia, mas ás vezes é isso que faz falta. Regredir a um estado de entusiasmo quase infantil.

Apanhei a camâra antiga dos meus pais há uns meses e pensei em todas as fotografias bonitas que queria tirar no verão... bom como provavelmente nada disso vai agora acontecer.
Quando vi esta foto lembrei-me desses planos de verão, e o azul vibrante do céu e do mar ficou estático por alguns momentos.

p.s- Acabei de perceber que mencionei duas vezes as Kardashian neste post e estou a repensar bastante bem a minha vidinha. 

Lemos porque gostamos, ou porque somos obrigados?

abril 23, 2020


Enquanto me debruçava sobre o teclado, para concluir a compra do livro "Guerra e Paz" por momentos pensei "estou a ler isto porque quero, ou porque é necessário?". Não que vá morrer senão o ler, não é obviamente uma questão de vida ou morte, mas é interessante, como ao longo dos anos, especialmente numa transição entre a adolescência e a idade adulta, a leitura se transforma. 
Se olhar para os livros e géneros que me marcaram, tenho de começar na Anita, uma infância querida e recatada no interior de frança, passar para livros como "Mar, azul mar" que me introduziram a uma leitura mais adolescente e "pesada". Jogos da fome que me enviaram numa espiral de distopias e mais tarde a euforia partilhada pela minha geração de ler as "Cinquentas Sombras de Grey" ás escondidas. 
Cada um destes estados foi recebido, melhor e com mais curiosidade que o anterior. 
Dizem que crescemos e perdemos a magia. Não é que a percamos, é que ela nos perde a nós. Os livros que me conquistaram continuam lá, mágicos como sempre o foram, só que já não me despertam. 
E acho que comecei esta transição no inicio da faculdade, a cada livro como "1984" ou "cem anos de solidão" me aproximo mais da curiosidade de saber do que tanto falam os "adultos" e menos daquilo que antes me fazia passar noites em branco.
Virei noites a ler "odeio-te, amo-te" e ainda hoje é um dos meus romances favoritos, no entanto podem ter a certeza que demorei muitas semanas para ler "cem anos de solidão", mas não consigo, nem posso compara-los. E realmente essa magia e o exercício de pensar enquanto se lê é difícil, mas de alguma forma, no final, o sentido de obrigação que nos levou a ler tudo até ao fim, dá-nos uma energia quase etérea.
Só falo disto, porque é algo com o que me deparo de vez em quando. Antes de escolher "guerra e paz", parei por cinco segundos a babar-me para cima de "O Expresso do Oriente" 
Honestamente, mesmo enquanto penso nisto sinto o amargor das minhas palavras, afinal que tipo de idiota se forçaria a ler alguma coisa? Suponho que eu, agora nenhum dos meus antigos livros me cativa o suficiente e os novos me parecem uma jornada difícil. 

ps- talvez este seja um post que não incentive (aparentemente) muito à leitura, mas quando partilhei que livros li e me ajudaram a formar o gosto pela leitura, estava a tentar demonstrar que, realmente, passamos por muitas mudanças. 
Mesmo que, muitos dos livros que li já não encontrem os meus interesses hoje em dia, fizeram com que eu gostasse de me fechar naqueles mundos e nada os desmerecesse, aliás, hoje em dia, quando me sinto particularmente nostálgica pego neles e perco-me em algumas páginas. 


Quanto ganhei em adsense com 5 anos de blog e 40.000 visualizações?

abril 22, 2020

Admito, foi um titulo demasiado pesado para uma coisa tão leve (se me faço entender), mas tinha mesmo de fazer uma brincadeira com esta coisa toda do adsense e do milagre da google.


Cinco anos de blog, 40000 visualizações de página... por esta altura já devia estar de palhinha no canto da boca, em cima de uma bóia em forma de gelado, a assinar contratos com a Adidas em Los Angeles. Em vez disso estou sentada numa cadeira rija (porque as cadeiras de secretária são caríssimas and I got no money).
Acho que, a coisa mais interessantes nestes cinco anos é que, só fui extremamente ativa em dois, e foram nesses dois anos que consegui, pelo menos as primeiras 35.000 visitas e realmente, todos estes números parecem me incríveis.
Claro que, a era de ouro dos blogs já acabou, a não ser que seja uma coisa de nicho (filmes, séries, desporto, cozinha), mas os fenómenos Zoella já lá vão.
Quando comecei a escrever aqui de forma assídua, foi a coisa mais estranha. Sentia-me toda desengonçada a tropeçar em termos pessoais e formais e sem saber muito bem sobre o que falar.
Tentei o clássico: moda e beleza. Mas embora eu goste de ambos, não me sentia com vontade de escrever sobre isso porque a) há muita gente bem mais apaixonada por isso que eu b)eu visto camisolas polares quando ninguém está a ver.
E pronto, sobre o risco de não agradar a ninguém em particular, comecei a escrever sobre "aleatoriedades" e sabem quanto é que isso me rendeu? 0.84 cêntimos. Alguém tem por ai emojis de chorar a rir??
Tenho posts que são visitados todos os dias, as visitas são boas e de facto há muitas impressões mas se duas pessoas num ano carregarem num anuncio é MUITO. Aliás, quando vi que tinha 84 cêntimos pensei "carreguei na minha própria publicidade?"
Moral da história? Façam blogs, a sério. Já disse isto antes, mas tanto o blog, como o podcast me ajudaram a sentir, não só mais focada, como mais confiante. Houve alturas em que ninguém lia, nem ninguém ouvia (não está muito diferente, mas seguimos firmes e fortes com os fieis de sempre ahaha) e mesmo assim, isto fazia-me sentir bem, a mim.

A sabedora da transformação de Monja Coen || Opinião

abril 20, 2020

Coloquei opinião no titulo porque o faço sempre que falo de um livro, mas acho que, para este seria completamente irrelevante, já que pela primeira vez, ao ler um livro, me senti mais ensinada, do propriamente espicaçada para opinar sobre o quer que fosse.



Não falo muito de crenças, religião ou qualquer tipo de coisa dentro do género porque sinto, com toda a ignorância que isso carrega, que são temas que puxam muitos gatilhos. Olhando para mim, que fui educada dentro de uma família católica, uma parte praticante, a outra (novamente com todas as leituras que isso acarreta) não praticante. A minha relação com Deus, não é mais do que uma certeza que me foi plantada e da qual duvidei e "des"duvidei ao longo da minha vida. Se me perguntarem, hei-de responder que ainda estou a tentar perceber.
Mas este livro, "A sabedora da transformação", é mais que religiões ou auto-ajudas, são histórias universais que nos fazem refletir na vida. 
Para quem não conhece a Monja Coen, ela ficou conhecida do grande publico pelas palestras e videos no youtube. Aliás foi nesses videos que a ouvi pela primeira vez, a minha mãe mostrou-me e, muito estranhamente não me conectei com o video. No Natal ofereci o livro à minha mãe, e agora acabei por lê-lo.
A sensação que tive ao ler, foi a de uma avó a contar histórias com lições de moral, e a explicá-las depois. Quase todas estas histórias figuram milhares de anos atrás mas, são perfeitamente "enquadráveis" no nosso dia a dia.
A ganância e a urgência de açambarcarmos tudo; a partilha; individualismo vs coletivismo; lidar com problemas, a dificuldade de não agir e agir quando necessário; e o respeito pelos outros e pela terra.
Claro que alguns destes pontos são, não impossíveis, mas difíceis de colocar em prática numa sociedade como a nossa. Somos individualistas, isso ás vezes já está tão fundo nas nossas entranhas que é difícil mudar isso e é preciso coragem para, numa sociedade como a nossa, pensar mais nos outros que em nós.
Não me interpretem mal, não estou a defender a ideia de sermos uns idiotas egoístas que não se levantam no metro para se sentar um idoso, estou antes a falar de uma ideia do outro quase tão grande como a nossa. Não me parece que fosse ficar calada em caso de injustiça, como alguns dos protagonistas das histórias ficaram.
Mas este livro de certa forma (como todos os livros que lemos) transformou-me. Lia alguns capítulos de manhã, quando acordava e à noite, antes de ir dormir. Comecei a deixa o telemóvel na sala quando ia dormir...pequenas coisas que nos fazem pensar. Gostei particularmente do exercício de sentir as coisas. Da ponta dos pés à cabeça, tentar assimilar o toque e as sensações.
Resumindo, eu que tinha um preconceito tremendo contra este "género" de livros, apanhei-me extremamente relaxada, a ler coisas que, não só fazem sentido, como também me fazem pensar.


Highlights da Semana

HIghtlights da Semana

abril 19, 2020

Uma semana depois da semana passada (estou realmente a rir-me), temos aqui os os pontos altos da minha semana!



Não sei quantas vezes já vi este filme e, cada uma é mais especial que a outra. Para quem gosta de "Me before you" este clássico francês é uma verdadeira comédia, com um coração tão puro que é impossível não chorar e rir, tudo ao mesmo tempo.



Continuando na onda da arte francesa, esta semana atingimos um pico. Adoro um bom livro, um clássico ou uma coisa mais leve mas, ás vezes, sente-se uma nostalgia de histórias mais fáceis. Lembro-me de devorar "Baby Blues" e de repetir várias vezes a dose na biblioteca municipal. Por isso foi com um coração cheio que li "Verões Felizes". Um casal que enfrenta problemas conjugais decide levar os filhos para uma ultima viagem de verão, antes de anunciarem o divorcio aos filhos.
Um dois em um, recebemos duas histórias e décadas diferentes, no mesmo livro. 


 Quem leu a minha opinião sobre "pessoas normais" sabe que fiquei impressionada com a maneira de escreve de Sally Rooney. A semana passada, em meio do pânico de ter de escolher uma personalidade para entrevistar a "brincar", escolhi Rooney e foi com olhos de ouvir que vi esta palestra que ela deu.





 "Run Run Run", aquilo que gostávamos todos de estar a fazer. É elétrica, firme e faz-nos querer abanar. Este é o tipo de banda sonora com a qual palmilho a estação do Marquês de Pombal. Lembra-me dias de sol a descer a avenida.




Eu chorava. Berrava. Esperneava. Era a coisa mais dificil do mundo para mim os meus primos não deixarem jogar Super Mario. Cresci verdadeiramente atormentada e a primeira coisa que fiz há dez anos, quando comprei a minha segunda nintendo foi tirar a barriga de misérias. Durante esta semana, voltei a gastar as teclas e informo que...ainda dou bem para o gasto.


Eu adoro os insta stories do Rhys Lewis (para além da sua música espetacular, claro), mas diverti-me tanto a ver o ensaio fotográfico que ele fez ao gnomo que comprou no Tesco. Por dois segundos, invejei as corridas ao supermercado durante um por do sol muito cor de laranja em Londres. 
Quem me dera ter agarrado uma destas beldades, que parece uma coisa de culto por lá!



Reflexões lixadas

Reflexões Lixadas: Construir o mundo a partir de casa

abril 18, 2020

É interessante a posição em que fomos colocados neste último mês e meio. Como já devo ter partilhado algumas vezes, por aqui ou mesmo no instagram, este ano na faculdade descobri dinâmicas diferentes em que, mesmo não sendo fantástica, me fazem querer....fazer, só por si. 
Contactos, negas a entrevistas, palmilhar Lisboa de mochila e tripé ás costas e com uma fome de entregar tudo na dead line danada. 



É engraçada a nossa forma de crescer, de nos tornarmos a nossa própria pessoa e a maneira como isso nos faz ganhar novas borboletas na barriga e este salto que dei, a nível de personalidade (muito em culpa pelo mundo universitário) foi agora colocado em pausa. Estou parada, a flutuar. Estamos todos.
Aos poucos, toda a gente está a tentar descongelar  este tempo, uma perfeita analogia aos filmes de hora e meia que nos parecem nunca mais acabar. As escolas, os transportes, os bancos, os supermercados...
Fomos remendando aqui e ali. Esticando um braço para segurar aquela parede e empurrando com a perna outra, prestes a desmoronar.
Temos de aprender a flutuar nisto e é frustrante. Hoje durante uma aula em que nos pediram temas para reportagens apeteceu-me mandar tudo ás couves. Estava enervada, porque só me conseguia mexer dentro desta realidade e era complicado e não era o que eu tinha planeado... e...e...e
Não estou muito melhor agora, mas sossega-me aquilo que ouvi "pelo menos estão ocupados", e enquanto escrevo, percebo que preciso de aceitar as minhas limitações (prévias) e as que agora surgem (novas portanto... foi só para não deixar o parênteses vazio, porque vocês perceberam).
Acho que o maior desafio de tudo o que se passa à nossa volta, é não estarmos constantemente presos a uma coisa que já não temos. Como antes fazíamos planos para o futuro, agora protejamos num passado"futuro".
Durante a minha vida, sempre tive sonhos recorrentes, mas um fica-me sempre impresso na memória. Uma guerra. Aliás, contei isto à minha avó, enquanto trocávamos impressões de sonhos uma com a outra.
Disse-lhe que quando tinha este sonho, estava sempre no quintal e que passavam aviões a largar bombas por cima de nós. E desde que sou pequena (porque fui crescendo com o sonho), escondi-me sempre na despensa. Arrombavam a porta, a mesma que o meu avô construiu e descobriam-me sempre. Ouvia as botas a bater no chão com força.
Quando tinha esse sonho, acordava a pensar "ainda bem que não é verdade" e esse sentido de mentira, de falta de verdade do sonho... faz-me agora pensar no que estamos a viver.
É verdade que não andam soldados de botas pesadas a esmagarem-me a porta de casa, mas é quase como se, quando falam do vírus na televisão, eu o imaginasse a rir.
A dificuldade não está no pânico, está na reinvenção e na saudade que nos rasga o peito quando pensamos no mundo que queríamos para nós.
É que agora, é preciso achar piada nas coisas que fazemos em casa, e tornar esse mundo, por muito pequeno que seja, em tudo aquilo que ambicionamos. Pelo menos por enquanto.


Exercícios para quem detesta correr e fazer cardio

abril 17, 2020

Queria eu poder dizer aos meus filhos que fui uma atleta, que ganhei medalhas e que conseguia acabar o vai-vem com as duas pernas intactas, mas a verdade é que NUNCA gostei de correr. A única maneira de me fazerem correr por gosto era darem-me uma bola de basquete. Fiz natação mas tive de desistir por causa do eczema. Fiz pilates e tive de parar pelas condições de higiene questionáveis do ginásio. Resumindo: nunca tive uma boa lua cheia de exercício... até agora.

Esta quarentena também se podia chamar "projeto corpo pós-estado de emergência". E aqui temos dois polos opostos; aqueles que aderem ás lives de exercício e encontraram uma verdadeira paixão e aqueles que já entalaram os olhos na parte de trás da cabeça só de ouvirem falar disso.
Honestamente não tenho strong feelings por nenhuma dessas duas modalidades, mas sou um bocadinho mais a favor do exercício fisico... só que nas minhas condições, por isso, aqui vai aquilo que tenho feito:

Não gosto de cardio, a sensação de correr e começar a ficar cansada aterroriza-me e por isso é que me apaixonei por pilates. Aliás a minha ideia é retomar assim que tenha condições (encontrar um bom ginásio para a prática e tiver dinheiro, mas por agora faz-se em casa). 
O pilates resolveu-me o meu maior problema, que eram as dores nas costas (tenho um tronco demasiado comprido, e o meu médico diagnosticou-me com qualquer coisa que envolve uma grande capacidade de elasticidade e da qual não me lembro agora do nome).
Por isso, no inicio desta quarentena fui em passos de bebé, porque quanto mais tempo deitada, ou sentada, pior se fica das costas. 
Comecei com este video, um stretching suave para quem não quer começar á bruta. Faço todos os dias dez minutos e posso dizer-vos, ORGULHOSAMENTE que já consigo abraçar os pés, sentada. 

Este video não é nada fancy, nem todo #instagramável, mas ajuda e muito a começar a ganhar o bichinho.


Depois disto e, de começar a mexer partes do corpo das quais já me tinha esquecido, passei para o meu amado pilates. Uma coisa curta, mas eficaz, que em conjunto com o aquecimento faz-me 30 minutos de exercício todos dias.

Este beautiful body pilates, carrega todos básicos do pilates em cinco exercícios. Aconselho a que oiçam bem as instruções. Uma das vantagens de ter praticado pilates com orientação profissional é que ainda me lembro, não só de algumas indicações, mas o meu corpo, ou a memória muscular, continua lá. Manter as costas e ombros junto ao colchão, entre coisas que o meu corpo ainda não esqueceu. Outra indicação é procurarem "pilates para iniciantes".



Por fim, dia sim, dia não, sigo esta pequena lista de exercícios para as pernas. Diz que é um #challenge, mas ignorem isso a sério. Foquem-se nos exercícios e pronto. Já faço isto há quatro semanas e ainda não me pesei, nem medi nada e acho que isso é que me tem feito bem. Estou a fazer este esforço, porque me faz sentir bem, e ainda me riu quando vejo que consigo fazer uma, ou duas coisas novas.




Lembretes finais: não façam disto uma competição, e nem falo de uma competição com os outros, mas sim com vocês próprios. Na verdade acho que se fizerem só um aquecimento todos os dias já devem sentir-se melhores e mais felizes. Pelo menos foi isso que me aconteceu. Uma semana e meia depois de todos os aquecimentos, quis fazer mais alguma coisa.
Só o facto de não estar a ser obrigada, de não me sentir pressionada ou julgada como acontece em educação fisica ou mesmo num ginásio, já ajuda.
E tomem atenção, oiçam o vosso corpo e se sentirem algo de errado parem lá com isso, que é suposto ser divertido, não magoar ninguém.



Highlights da Semana

Highlights da Semana

abril 11, 2020

    Uma das questões que mais me atormentou           no inicio desta pandemia, foi reparar na               forma revoltante como as celebridades, especialmente norte-americanas, desvalorizavam o Corona Virus. Foi também interessante observa-las depois. Como pediam, de forma gentil e delicada ás suas massas, que ficassem em casa, seguros, enquanto seguravam os seus telemóvel e se gravavam em ambientes de um luxo, comparando o seu confinamento ao de pessoas que não tem mais que um dois quartos por onde se entreter.
Uma das celebridades, cujo o castelo começou a colapsar, foi o de Elle DeGeneres...turn out aqueles "good for you" eram tão falsos como soavam. O The New York Times cobriu o tópico graciosamente. 




É tão engraçado ver toda a gente a jogar Crossing Animals quando a minha nintendo só se lembra do MySims! Tenho experimentado vários jogos disponiveis para o formato que mais uso: Telemóvel. Até agora o Adivinhados foi o que mais teve sucesso. Uma nova versão do velho Perguntados.












"Sabedora da Transformação" da Monja Coen foi o meu detox literário depois de "A ninfa inconstante" me ter roubado o amor pela leitura.
Nunca tinha lido um livre deste género, e admito, era (e ainda sou um pouco) desdenhosa deste tipo de livros. No entanto este pouco tem de moralista, são mais pequenas histórias da cultura budista, como nós temos o Pedro e o Lobo sabem? Nada como voltar ás raizes das histórias populares para recuperar o amor pela leitura.









Virginia Wolf é a autora parada na minha estante. Comecei a ler o livro "Mrs. Dolloway" no inicio da faculdade e a falta de tempo, aliada ao cansaço fizeram-me colocar o livro on hold, mas depois de ver este video "Why You Shoud Read Virginia Wolf", que tão bem explica a forma genial de Virginia de escrever, acho que estou preparada.
Já lhe tinha notado a dificuldade na escrita, mas parece-me que é por um bom motivo. Não só é uma escritora complexa, como vê como ninguém as entranhas do papel feminino no mundo.





Obrigada Selena, por esta versão deluxe que fez com que Rare ganhasse todo um novo universo.
Souvenir é uma resposta linda a "Call Out My Name" do The Weeknd, e só serve para comprovar que tínhamos ali um C-Goals.














E por fim, a minha coisa preferida da semana foi escrever o conto "Começou a Chover e Aqui Fiquei". Gostei tanto da experiência de publicar algo fora da minha zona. Geralmente só escrevo estas coisas para mim, mas foi divertido partilhar e ouvir as vossas opiniões.

Epifitismo de Leo

abril 10, 2020

"Epifitismo é uma relação de 
inquilinismo entre duas plantas, 
na qual uma planta vive sobre a 
outra, utilizando-a apenas como 
apoio e sem dela retirar 
nutrientes e sem estabelecer 
contato com o solo."





Algures entre Lisboa e o resto do mundo


     Ás vezes, enquanto os carros passam, tento fixar a cara das pessoas. Claro que não consigo mais que um borrão de pele e, no geral, toda a gente me parece ter o cabelo castanho. Por uns segundos, fecho os olhos e imagino que estou dentro de um dos carros.      Por momentos sou eu que tenho a cara apoiada na mão e o nariz esmagado contra o vidro embaciado. Os olhos mortos na paisagem tremida, que os separadores da autoestrada nos deixam antever de vez em quando, nunca o suficiente, mas sempre tanto que nos faça tentar ver mais da próxima vez.
     Depois abro os olhos e volto a estar do lado da vida que está parado. Volto a vê-los como pessoas da cidade, com apartamentos brancos e carros pretos. Penso nas outras raparigas da minha idade, sentadas no banco de trás a olhar para a paisagem feia.
     Nas chaminés cinza que cospem fumo castanho, na linha do comboio que desliza aos solavancos entre uma fábrica de cerveja e a zona industrial.
     Aqui chove todos os dias, mesmo quando  não está a chover, está a chover. Estou sempre a limpar as lágrimas das janelas ferrugentas.
     Desisto de tentar ver alguém e baixo a escotilha do telhado. A esfregona espeta-se na pele fina debaixo do meu braço e salto do bidé para o chão. Olho a axila ao espelho e adivinho uma nódoa negra.
     Com a esfregona debaixo do braço e o balde na mão, baixo a cabeça para sair da minúscula casa de banho.
     Olho para as paredes à procura de uma barata que possa esmagar com um chinelo e quando não vejo nada ajeito as pontas do édredon. Saio e sopro para cima do número 15 espetado na madeira velha da porta.
     O corredor está escuro e húmido e a fita-cola que colámos no vidro depois de o terem partido começou a descolar.
     -A alcatifa das escadas precisa de ser aspirada.- A D. Branca diz-me, enquanto passa com um monte de toalhas para cima.
     Olho para o infinito tapete verde que veda o hotel e penso que o melhor mesmo, era ser trocado. Não me atrevo a dizer nada e guardo o balde e a esfregona dentro de um armário.
     São quatro da tarde de um domingo chuvoso e não há objetivo nenhum em aspirar a alcatifa verde agora.
     -Podes levar duas cervejas aos tipos que estão no café?- A minha mãe mete a cabeça de fora do escritório minúsculo debaixo das escadas e aceno.
     Enfio os chinelos no dedo e passo pelo estreito corredor que dá ao balcão do café.
    -Boa tarde.- Murmuro antes de abrir a arca frigorifica. Só temos Sagres. Eles devem saber, aparecem aqui no último fim de semana de cada mês.
    -Um e trinta por favor.
    Um deles, o de barba, procura as moedas no bolso e outro olha para mim. Nunca me respondem quando lhes digo boa tarde.
    -Que idade tens?
    Mentalmente começo a tirar nota das suas feições. O queixo quadrado, os olhos côvados e olheiras enormes.
    -Porquê?- A minha mão continua estendida enquanto o barbudo continua a contar dinheiro e a atira-lo para a minha palma suada.
    -Pareces muito nova para poder trabalhar aqui.- Tem olhos azuis desconfiados.
    -É da inspeção?-  Pelo peso do dinheiro tenho a certeza de que falta. Desço o olhar para confirmar que, de facto, colocou moedas pretas para me tentar confundir.
    -Faltam vinte cêntimos.- Os olhos dele abrem num esgar.
    -Tens mais?- Pergunta ao amigo.
    O dos olhos azuis mete-me uma moeda de vinte cêntimos na mão e depois vira-se para o colega novamente, esquecido da pergunta que lhe fiz.
    Abro a caixa registadora e depois de a fechar coloco  a chave no bolso das calças. Viro-me para sair mas, o arrastar das cadeiras para-me.
    -Podes deixar o comando da televisão?
     Viro-me para trás. Nenhum deles está a olhar para mim.
    -Não.
    Atravesso o túnel estreito e um arrepio faz-me meter as mãos nos bolsos. Tenho saudades do verão, geralmente são os miúdos que me pedem o comando da televisão, e quando vou à arca é para ir buscar gelados.
    -Podes aspirar a alcatifa Léo?- A minha mãe volta a espreitar pelo escritório.
    -O meu turno já acabou.- Aponto para o relógio na parede.
    Quando era miúda eu e os meus irmãos costumávamos adiantar o relógio. Os turnos acabavam mais depressa assim. Claro que, como nos riamos todos da esperteza de puxar os ponteiros para a frente, acabávamos por nos denunciar.
    Há medida que eles se foram embora, um de cada vez, adiantar as horas começou a perder a sua graça. Primeiro ainda nos riamos, mas tal como os dias que se iam arrastando, também a nossa gargalhada se foi desvanecendo. Agora parece estupido, esticar as horas só para ficar no mesmo sitio, a fazer o mesmo tipo de nada.
    -Então fica para amanhã pode ser?- Ergo-lhe um polegar no ar e subo as escadas novamente.
     A alcatifa verde deixa-me enjoada, mas as paredes amarelas não são muito melhores. Quem é que pintaria uma parede de amarelo? De propósito?
     O meu quarto é último à esquerda no corredor principal. A confusão de portas e o entrar e sair em que vivi a vida toda, deixou de me atordoar mas, ainda é insuportável não saber quem é que dorme no quarto ao lado do meu.
      Abro o número 17 e fecho-o à chave. O meu quarto é único que ainda tem o papel de parede antigo. Flores enjoativas que rastejam pelas paredes, para cima e para baixo numa onda dos anos 50.
      Debulho as toalhas que a D.Branca deixou em cima da minha cómoda mas, a única que quero falta-me. Desço as escadas para ir buscar a toalha de banho.
     -Boa tarde.
      Olho para o escritório da minha mãe, com a porta fechada. Nem vale a pena tentar subir, ele já me viu.
      Viro-me para o rapaz de saco ao ombro. Já lá vai o tempo em que eu me ria para os hóspedes. Também já lá vai o tempo em que me achavam engraçada.
     -Boa tarde. Posso ajudar?
      Ele sorri, a pronuncia carregada do Alentejo.
     -Sim, precisava de um quarto.
      Pelo canto do olho espreito o parque de estacionamento. Vazio. Deve ter vindo no comboio.
     -Só para esta noite?
     -Sim.
     -Meia pensão ou pensão completa?- Puxo o livro de registos debaixo do balcão e bato com a caneta de tinta azul contra palma da mão.
     -Depende, há bons restaurantes por esta zona?
      Por dois segundos, faço uma pesquisa rápida a este lugar, estacionado para sempre ao lado de uma auto estrada. Entalado entre a fabrica de cerveja e a industria de cimento. O único restaurante que conheço por aqui é o do Hotel e um Burguer King ao pé da rotunda, onde ninguém mete os pés desde a inauguração.
     -Não. Há um Burguer King.- Aponto com a caneta para norte.- Ao pé da rotunda do centro.
      -E vocês têm restaurante?- Ele espreita para a minúscula sala de jantar.
      -Exato.
      Entrega-me o cartão de cidadão e começo a preencher os dados no papel sarapintado de preto. Heitor Claro surge em letras gordinhas no cartão.
      Ele poisa o cotovelo no balcão e começa a brincar com um cigarro no balcão.
     -Não pode fumar aqui.- Digo-lhe mais em jeito de aviso do que propriamente advertência.
     -Eu sei. Tens ali um sinal.
     Continuo a preencher os dados. Detesto fazer a parte do pagamento.
    -São vinte euros por favor. Quer fatura?- Tiro o bloco de papel químico amarelo de uma gaveta e ele ri-se.
    -Não tens computador?
    Contemplo responder-lhe, mas o trabalho que me daria carregar uma conversa com ele aos ombros tira-me a vontade.
     -Não.
     Ele diz-me que quer fatura e copio os números do cartão de cidadão. Peço-lhe a morada. Vive em Lisboa. Mete o cigarro na boca e depois volta a tirá-lo. Os dedos grandes pegam no cigarro, qual guindaste, e coloca-o atrás da orelha.
     Paga-me os vinte euros e depois passo-lhe a chave do número quinze. Mete o saco ao ombro novamente e desaparece, engolido pelas paredes amarelas e a alcatifa verde.
     -Temos hóspede?- A minha mãe abre a porta do escritório. Eu sabia que ela estava a ouvir. Ergo um polegar para cima, porque sei que ela está a ver.
  
**

      Abro a janela do meu quarto e meto um pé de fora. Depois o outro. Sento-me no parapeito da janela e os meus pés tocam nas telhas laranja enquanto o sol se põe-se, para lá da corrida negra que desliza por entre as barreiras verdes. Nesta altura do dia, os carros desaparecem e só se veem as luzes. O vermelho para quem vai e o amarelo para quem vem. À noite é mais difícil imaginar as vidas das pessoas e para onde vão, porque são todos o mesmo. Não me consigo projetar no escuro.
      Um cão vadio passa pelo quintal e cheira a capoeira das galinhas. Agarro numa pedrinha e atiro-a contra o latão que lhes cobre as cabeças. Tanto elas como o cão despertam.
       Oiço o ferrolho da janela ao lado da minha abrir. Ele faz força e, pergunto-me quanto tempo até perceber que tem de empurrar para a frente, antes de girar o mecanismo pré-histórico.
       Ele descobre rápido, vejo a ponta do cigarro vermelho a brilhar no escuro. As luzes do passeio à muito que deixaram de funcionar, então só se vê o que luzir. Por isso é que nos partem a janela do corredor tantas vezes. Eu já lhes vi as silhuetas. Primeiro acertam na parede. A tentar. A testar. E depois a partir.
       -Posso fumar aqui?- A cabeça dele força-se pela janelinha da casa de banho. Os ombros espremidos contra o rebordo gelado.
      -Desde que não partas o bidé.- Volto a olhar em frente. Não pensei que ele viesse espreitar cá fora. Nunca ninguém o faz. Nunca ninguém usa a minúscula casa de banho. Não ficam cá tempo que justifique uma porcaria dessas.
      -Como é que te chamas?
A sua voz confunde-se com o fumo branco.
      -Eu?
Claro que sou eu. Mas nunca digo o meu nome aos hóspedes. Também nunca lhes pergunto o deles.
      -Tu.- Ele suga outro suspiro ao cigarro.
Se lhe disser o meu nome ele vai usá-lo para me chamar. As pessoas usam nomes para isso, mas aqui ele vai usá-lo porque precisa de alguma coisa.
      -Léo.- Olho para ele. A minha língua mergulha no espaço entre os meus dentes da frente.
Ele sorri.
      -De Leonardo?
     Demoro-me mais tempo na cara dele do que gostaria. O nariz aquilino e os maxilares quadrados. É uma cara quase grosseira. Quase.
      -Exato.- Digo com ironia, enquanto esfrego os pés contra o tijolo áspero.
Ele não diz mais nada, e puxo as pernas para dentro.
      -Até amanhã.
      Ergo-lhe um polegar e fecho a janela. Abro a porta que separa o meu quarto da minúscula casa de banho sem janelas e lavo os dentes. Os meus dedos encaracolam-se no plástico enquanto faço penso. Pergunto-me, pela trigésima vez, se algum dia quererei sair daqui.
      Todas os dias, em que me imagino num daqueles carros, numa direção não oposta, mas tão longe daqui, que tudo isto me vai parecer o mesmo, mas ao contrário. Será vou estar dentro de um carro, a olhar para o pequeno hotel de beira de estrada e a pensar em quem lá vive? Nos dias de chuva que nunca passam? Nas nuvens que não levantam e no sol que se recusa a vir brilhar neste pedaço de terra acinzentado? Porque até o sol é elitista.
      Cuspo a pasta de dentes e puxo o fio que desliga a luz. Ás apalpadelas sinto o colchão e deito-me. Os lençóis arranham-me a pele fria e tapo a cabeça. Bafejo algumas vezes, só o suficiente até a minha respiração abrandar por conta própria.

 **

       Arregaço as mangas da camisa azul desbotada e, aperto o lenço na cabeça enquanto viro os ovos na frigideira. Como nunca há muitos hóspedes não faz sentido termos comida a rodos.
       Sento-me a comer e desvio os olhos para o programa da manhã. A minha mãe ainda não se levantou e a D.Branca só vem fazer o turno da tarde. A hora do pequeno almoço acaba ás dez.
       Gostava que os meus olhos não se desviassem tantas vezes para as escadas. Tento dizer a mim mesma que estou à espera da minha mãe, ou que quero só saber se preciso de cozinhar para alguém. Agora que já tirei o avental não me apetece voltar a colocá-lo.
      Meto outra garfada de ovos à boca e viro a atenção para a televisão. Uma plateia de gente bate palmas. O apresentador fala com algumas que tentam mandar o seu amor através do ecrã.
      -Cheira bem. Ainda posso tomar o pequeno almoço?
Viro-me para trás e ele está a olhar para mim. Tem uma camisola ás riscas e umas calças de ganga vestidas. Olho para o relógio. 10:08. Suspiro e levanto-me.
     -Alguma coisa em especial?
     -Torradas com ovos mexidos e café por favor.
Ele senta-se na mesa pequena perto da cozinha. Levanto o meu prato e levo-o para o lava-loiças. Faço as coisas metodicamente. O meu pai costumava queixar-se da minha lentidão, como se estivesse sempre a testar o limite da paciência das pessoas. Não estava. Há medida que fui crescendo os meus movimento foram-se tornando mais metódicos, mais retos, menos vivazes.
      Poiso-lhe a comida à mesa e tiro avental.
     -Vives aqui.- Os olhos dele não deixam a comida e ele leva uma garfada à boca.
Ele não me perguntou, o que faz sentido porque me viu ontem à janela.
     -Sim.- Dobro o avental e vou até à cozinha.
Guardo-o numa gaveta e começo a lavar a loiça. De onde ele está sentado consegue ver-me. Espreitar para dentro se quiser.
     -O que é que fazes para te divertir por aqui?
Sinto a água na borracha das luvas cor de rosa. O que é que faço para me divertir? Olho para a rua como se fosse um cinema. Mas não qualquer rua, precisa de ser longe o suficiente para a realidade não me destruir o sonho.
      -Vejo filmes.
      -A sério? Reparei que não há wi-fi.
Um caracol castanho cai, obstinadamente para o meio da sua testa.
      -Não temos wi-fi.
      -Então como é que vês filmes?
O sorriso dele não desaparece enquanto bebe um gole do café.
      -Tenho DVD´s.
      Baixo-me para apanhar o esfregão e quando me levanto, os olhos dele estão colados à televisão. Engulo em seco. Não sei como me sentir em relação a isto, nunca falo com clientes, e a sensação de ter alguém a falar comigo sobre mim é estranha.
     -Léo podes ir aspirar a alcatifa?- A minha mãe espreita pela ombreira da porta da cozinha.
     -Sim.
      Ela sai e fico a olhar para as manchas rosa, escondidas pela espuma branca do detergente no fundo do lava-loiças. A borracha come-me a ponta do dedo quando a esfrego contra o metal, agora quente pela água.
     -Onde compras esses DVD´s?
Ergo os olhos e tiro a mão da água.
     -Há uns chineses no fundo da rua. Eles sacam-me os filmes e séries da net e depois vendem-mos.
      Desta vez ele não sorri. Faz um trejeito com os lábios e foca a atenção no apresentador de televisão.

**

     Enquanto aspiro a alcatifa verde, ele vai até ao balcão. Não o vejo bem, mas a minha mãe está a falar com ele, enquanto lhe devolve a chave e ela a guarda atrás do balcão. Há sorrisos trocados, e por um segundo sinto-me estranha. Ele mete o saco ao ombro e sai. Vejo a campainha a mexer-se, mas não a oiço. O barulho do aspirador abafa-me o pensamento e foco-me numa mancha amarela que não vai sair, por muito que a escove.

**

     Nunca ninguém aparece à hora do almoço, por isso sou só eu e a minha mãe. Ela serve uma porção de arroz e eu tiro um bifinho da panela. As noticias, cantam-nos ao ouvido resultados de jogos de futebol que nenhuma de nós nunca viu.
    -Vais fazer alguma coisa à tarde?
    É quarta feira, a minha tarde de folga.
    -Não.
     Ela continua a mastigar e eu continuo à espera que ela me peça para limpar alguma coisa.
    -Podias ir dar uma volta.- Os meus olhos encontram os dela.- Se quiseres claro.
Sorrio um bocadinho e poiso o copo na mesa.
    -E ir onde?
    Ela parece surpreendida. Provavelmente achou que eu andava ansiosa por uma oportunidade para sair daqui. A verdade é que não há nenhum sitio onde eu queira ir, nem ninguém com quem ir. Para ir sozinha a alguma lado, prefiro a minha companhia aqui.
    -Não queres ir a Lisboa? Podias voltar no comboio das oito.
Não me lembro da ultima vez que fui a Lisboa, talvez numa visita de estudo antes de toda a gente se ter ido embora.
    -Acho que vou ver um filme.
Nenhuma de nós diz mais nada. De repente, é como se o pequeno preludio em que falámos sobre isto, se tivesse evaporado e as coisas tivessem caído nos eixos novamente.       Levanto-me para tirar a mesa e coloco os pratos numa pilha ao lado no lava-loiças. Agarro na toalha da mesa e vou à rua pela porta das traseiras.
Sacudo as migalhas para o terraço e olho para as galinhas a raspar na rede.

**

     Baixo o ecrã do leitor de DVD´s  e olho lá para fora. O sol está a pôr-se e o céu sucumbe ao laranja e cor de rosa.  Os riscos dos aviões cruzam-se e vejo um a avançar lentamente, enquanto trepo pela janela e me sento no telhada. Sempre achei os aviões mais complexos que os carros. Consigo fixar-me neles mais tempo, mas consigo imaginar-me menos dentro deles. 
      Ás vezes, sigo-os até começar a fazer jogo de resistência comigo mesma. Consigo olhar para o outro lado e encontrar o avião outra vez? Quando deixo de os ver, também deixo de ver tudo aquilo em que pensei enquanto olhei para eles. Imagino as pessoas, sentadas à espera de ir para as suas casas. A lutar pelo seu espaço no aeroporto, a falar ao telemóvel. A falar línguas que só percebo com legendas. Esses países distantes, as ruas, os supermercados. Vidas individuais que se perdem na coletividade... e depois deixo de os ver.
      Baixo os olhos para os carros na autoestrada. Está um parado, com os quatro piscas ligados. Ás vezes um impaciente sai do carro, embora seja proibido. Uma vez vi um ser colhido por um camião. Fiquei muito tempo a ver e rebobinar a imagem na minha cabeça. Foi tão de repente, a força do ar atirou-o contra o chão e a policia...
     -Posso sentar-me aí fora?
Salto no meu lugar e travo o pé numa telha.
    -Desculpa não te queria assustar.- Ele estende uma mão, mas não sei porquê. Se tivesse que cair, já estaria lá em baixo. Com ou sem mão estendida.
     Ele mete as mãos nas telhas e ergue-se pela estreita janela. Um pé de cada vez, e senta-se.
     Pensei que se tivesse ido embora. Só marcou o quarto por uma noite e hoje saiu com o saco.
    -Importaste que fume?- Ele abana o cigarro à frente da cara.
     Aceno-lhe e volto a concentrar-me nas formigas trabalhadoras que desaparecem dentro do túnel. Oiço-lhe o isqueiro e depois o primeiro e segundo trago. Ele não diz nada, ouve-se o gemido do vento a ser esquartejado ao longe e as arvores a achocalhar. O gerador da fábrica de cerveja corrói o ar com um som branco e sinto-me demasiado observada para descontrair.
      -Então Léo porque é que estás aqui fora? 
Pela segunda noite consecutiva? Tenho que me rir. O gesto rasga-me as bochechas e sinto um ardor na ponta dos lábios. Pela segunda noite consecutiva? Já lhe perdi as contas. O meu irmão é que me costumava trazer aqui. Subia primeiro e depois puxava-me. Lembro-me da dor debaixo dos braços, enquanto ele me erguia como um peso morto.
   -Estou sempre aqui. – Nunca deixei de estar aqui.
   -Não falas muito.- Ele inspira o cigarro e depois fecha os olhos com força antes de se libertar do fumo branco.- Nem sequer me perguntaste o meu nome.
   Desvio os olhos da monovolume branca que se despacha a desaparecer e concentro-me nele. Os olhos azuis e a pele bronzeada, provavelmente de um trabalho ao ar livre.
  -Chamas-te Heitor.
   Ele sorri.
  -Pois é... dei-te o meu cartão de cidadão.
    Nenhum de nós diz mais nada, mas as palavras são viciantes. Mesmo quando não tenho mais nada para lhe dizer, o meu cérebro não para de pensar em coisas que o façam falar. É disto que tenho medo, de começar a falar e nunca mais me calar.
     Resigno-me ao desejo de virar o pescoço e deixo de seguir os pontos que se mexem na estrada.
    -Porque é que vens aqui para cima?- Pergunta-me enquanto leva o cigarro aos lábios.
    -Porque gosto de ver os carros passar.
    -Gostas de carros?
      As perguntas dele magoam-me. Nunca ninguém me pergunta nada e quanto mais ele me pergunta, mas eu lhe quero responder. Quero dizer-lhe que não gosto propriamente dos carros, é das histórias das pessoas e da carnificina que cometo quando as apago e me coloco no lugar delas.
     -Gosto de me imaginar lá.- Aponto para os carros.- A ir viver as vidas deles.
Nunca disse isto a ninguém. Agora que o disse em voz alta, percebo que talvez haja uma razão para isso.
     -E porque é que não tentas? Ir viver essas vidas?
      Encolho os ombros.
     -Não quero.
     -Não queres ou não podes?- Sinto o cheiro do tabaco envolver-me.
     -Ambas. Há alguma diferença se nenhuma me impede de fazer aquilo que quero?
Ele sorri.
     -Bem pensado.
      O cheiro do fumo e do silencio vão-se com o sol e vejo-o esmagar o que restou do seu cigarro com o pé. Os dedos dele brincam com uma telha. São grandes e calosos, e ele esfrega-os contra a pedra como que a lixá-los. Gostava de me lembrar dos dedos do meu pai e dos meus irmãos.
     -Essa coisa que fazes.- A sua voz perfura a escuridão que começou a descer. A partir de agora é como os aviões. Uma vez ou outra, vou virar a cara e ele deixará de aqui estar. – É um epifitismo.
       A palavra-me soa-me a epifania, mas não acho que isto possa ser uma. Acho que ele sorri, mas já só lhe vejo a forma do rosto.
    -É uma relação entre duas plantas. Na qual uma vive em cima da outra, mas nunca sem lhe retirar nutrientes. Serve-se dela apenas como apoio, para nunca tocar no solo.- Encosto-me para trás, com as telhas a moldar-me as costas de forma irregular.- Tu vives aqui em cima, a olhar para eles, a sugar-lhes as vidas que se calhar não tem, e em troca não precisas de ir viver.
     Ele recosta-se também.
    -Então sou um parasita?- Riu-me. O som brota-me dos pulmões e sabe-me bem contra as costelas.
    -Não. Nas relações de epifitismo ninguém tira a ninguém. É só existir.
    -Existir não é mau.- Encolho os ombros. Agora só o oiço. A cara dele, o corpo dele, deixou tudo de existir.
    -Não, não é.
     Gostava de lhe tocar agora, porque não me parece que seja real. Porque parece que estou a falar para a noite e que ela me está a responder. É mais fácil quando não vemos as pessoas. É mais fácil só ouvi-las e falar com elas quando não têm forma. Quando a cara não emite expressão e os olhos são difíceis de ver.
    -Mas eles também te podem ver.
     O meu coração dispara por alguns segundos que se tornam minutos. Sinto-o no topo do estomago e atrás das minhas orelhas. Viro a cara, os olhos nas luzes de travagem dos carros. Eles também me podem ver. Quando volto a abrir os olhos não o oiço, não o vejo, nem sei se ainda aqui está. Mas também não estendo o braço para o comprovar.




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