Os Assaltos à Padaria de Haruki Murakami

outubro 06, 2020

 Murakami tornou-se, nos últimos meses, uma espécie de guia naquilo que, para mim, deve ser a literatura. Para fazer uma pausa no final pesado de "1Q84" mergulhei num dos seus contos "Assaltos à Padaria", uma critica estranha ao comunismo e capitalismo.

A premissa era simples: dois contos, sobre dois assaltos a padarias, unidos por uma fome incontrolável.

Não há nomes neste conto, na verdade, tal como em "1Q84" o único nome que encontramos é o de Wagner, um compositor alemão. Há uma ligação especial entre a música e Murakami. 

No primeiro conto, dois amigos sentem uma fome descomunal, mas num Japão ainda movido pela recessão, não têm dinheiro, assim decidem assaltar uma padaria. Numa tentativa de se proteger, o padeiro faz com os dois rapazes um pacto, que mais parece uma maldição, do que propriamente uma resposta amigável a um assalto.

No segundo conto, um dos rapazes, anos mais tarde, já casado, acorda a meio da noite. Tanto ele, como a esposa, sentem aquela fome, que os parece engolir por dentro. Voltam ao ataque. Desta vez, a hipóteses de irem pagar pela comida já se coloca, mas, em vez disso, acabam por assaltar um Mc Donnalds.

Murakami é Murakami e por isso, nada é aquilo que esperamos ser. Ele arrasta-nos para este céu aberto de possibilidades, onde as coisas mais mirabolantes nos parecem razoáveis, mais ou menos, como aqueles sonhos tolos que temos, mas que, quando acordamos, nos parecem normais... é uma das melhores sensações que posso ter ao ler alguma coisa. Não me questionar constantemente sobre a veracidade das coisas, tomando-as como certas.

Este é óbviamente um livro bem escrito, com toneladas de imaginação, com um bónus de ser ilustrado (e que ilustrações de cortar a respiração), mas mais que isso: a critica.

Não encontrei nada sobre a parte critica que Murakami construiu no livro, então, aqui vai uma interpretação livre.

No primeiro assalto, os dois rapazes não tem dinheiro, já passaram pela experiência de comer folhas de girassol. Estão por tudo e por isso, assaltam a padaria. Comem o pão que querem ao som de Wagner e depois desaparecem.

Anos mais tarde, essa fome volta, para assombrar um deles. Aqui, a hipótese de assalto já não se lhe afigura normal. Agora já tem dinheiro. Agora há como comprar pão. Mas a mulher diz-lhe que aquilo é uma maldição, e deve ser quebrada, como foi começada. Eles não tem porque assaltar uma padaria e tão pouco encontram alguma. Em vez disso, assaltam um Mc Donnalds e levam consigo 30 Big Macs, que comem à frente de uma empresa da Sony. 

Tudo isto, a forma como os comportamentos se alteraram, bem como a paisagem, parece-me mais uma critica ao capitalismo e à forma como o ocidente se apoderou da cultura Japonesa. Aquela imagem, deles os dois a comer um hambúrguer americano, em frente a uma das maiores empresas do mundo livre, parece-nos tão estranha que é impossível não nos rirmos. 

Um livro bonito, aquilo que esperava de um conto, uma das minhas forma preferidas de narrativa. 



Enola Holmes Netflix Crítica

setembro 26, 2020

 Enola Holmes apresenta-nos um filme jovem, fresco, sedutor e onde a mulher fatal, não é tanto um aperitivo para ser devorado, mas a força catártica de toda a narrativa. Enola, ao contrário significa "sozinha" (alonE), mas de certa forma, todas nos sentimos representadas, nestes que têm sido tempos de ouro, na representatividade feminina em filmes de ação.

A meio de uma revolução feminina (alargamento do direito de voto às mulheres), somos deixados no seio daquilo que já foi a casa de família dos Holmes.  No seu aniversário, Enola Holmes, a irmã mais nova de Sherlock e Mycroft Holmes, vê-se, subitamente sozinha, quando a sua mãe desaparece. Para trás fica Enola, numa bolha de vivências muito pouco convencionais, para uma jovem senhora do século XIX. 

Este é um filme sobre o amadurecimento feminino, regado de ação mas com o tom descontraído que nos leva a deslizar pelas duas horas de narração sem qualquer problema. Enquanto assistimos à revolução de Enola contra as vontades dos dois irmãos mais velhos, precisamos de a ver decidir entre a sua missão de encontrar a mãe, ou ajudar aquele que pode ser um possível interesse amoroso, Viscounde Lord Tewksbury.

Enola é uma lutadora (em cenas mais do que suficientes, sustemos a respiração), mas mais do que isso, este filme traz-nos uma série de dilemas morais, entre aquilo que Enola deve e quer fazer. Uma das questões que mais vezes me passou pela cabeça foi a de "mulher fatal". Sabem? Aquele termo, para descrever uma mulher que se torna o calcanhar de aquiles de um homem, e que tão bem é barrado nas torradas de Hollywood?

Aqui acontece o oposto (e na minha humilde opinião, muito mais realista), em que, esta jovem mulher, gere o dilema de deixar de lado o seu objetivo, para ajudar um homem. E Enola mantém-se forte, de cada vez que nos achamos a escorregar para a ideia de romance, ela acorda-nos (falando diretamente para a câmara, como aliás se torna recorrente ao longo do filme). 

E claro, temos o nosso detetive de sempre, a fazer um papel raramente seu. Sherlock entra no filme como parte essencial de uma narrativa, onde é apenas um personagem secundário. Muito diferente do calculista e frio detetive de Sir.Boyle, este desliza no tom e até se ri, no final do filme.

Vale lembrar, que este não é um filme sobre Sherlock Holmes, mas sim inspirado nos livros de Nancy Springe. Não pensem encontrar aqui uma versão muito fiel de Sherlock, aliás eu nunca tive essa expectativa, já pelo titulo do filme, é viável que tal não aconteça. Não. Este filme, é uma brilhante forma de dar a conhecer ao mundo, mulheres em filmes de ação. Enola tornou-se, na minha opinião, um filme que qualquer jovem devia ver. 

Com um final feliz, livre, leve e solto, Enola acaba sozinha, mas a transbordar de orgulho, de si mesma, com a certeza de que passou a perna a Sherlock, que deixou Mycroft para trás, deu cabo de um assassino contratado, e conseguiu dizer que não e que sim, ao amor. 

Haaa! Fica aqui também o meu apreço pela banda sonora e guarda roupa! Excelentes!





A falácia do "hard work" e do "se fulano consegue, tu também consegues" mind set

setembro 24, 2020

 Sabem quando começam a ter conversas convosco próprios? Quando ficam tão incomodados com certa fala ou atitude, que até têm comichão? Estou nesse ponto, até pensei em fazer um episódio de podcast sobre isto, mas infelizmente as condições para gravar, não são as melhores. Por isso, vamos escrever e ler.

Nas ultima década, foi despertado um fenómeno que nos arrastou, a nós, e ás nossas expetativas, para um sitio estranho, escuro e húmido. Cada vez mais jovens, graças às redes sociais, fomos expostos a um aumento exponencial do sucesso dos nossos pares. Enquanto uns, foram abençoadas com a boa genética do algoritmo, e descolando numa corrida astronómica em direção ao sucesso, outros, ficaram cá em baixo, a ver, a sonhar com a sua própria ascensão à terra prometida.

As redes sociais são, ao mesmo tempo responsáveis e por responsabilizar. Geraram estes cultos, estas massas que se aglomeravam em torno de certas personalidades, muitas vezes da nossa idade, ou mesmo mais jovens, e de repente, vemos pessoas iguais a nós, com vidas que nos parecem muito distantes. Jovens milionários. Pessoas comuns, que agora vivem numa bolha. As redes sociais, foram dominadas pelos jovens, e agora os seus impérios multiplicam-se, bem como os seus discursos de "hardwork" e "se eu consigo, tu também".

Não é contra as redes sociais que tenho um problema, aliás, esse tópico passa do ponto, eu quero mesmo, é falar destas mensagens terríveis que nos tem sido passadas. 

Imaginem uma personalidade como a Kylie Jenner, bilionário (ou não), algumas das coisas que podemos ler sobre ela, é o quanto ela gosta do seu trabalho. Aliás, esqueçam a Kylie, vamos aplicar isto a todos os empresários, e focar-nos na camada jovem, já que é por essas, que muitas vezes estabelecemos padrões de comparação "ele/a já tem 20 anos e uma casa, eu ainda nem tirei a carta de condução".

O selfmade, o hardwork... bom, é verdade que trabalhar, trabalhar muito, gera sempre alguma coisa, mas não existem aqui outros fatores, que importam? Nomeadamente as circunstancias em que nos encontramos?

É praticamente impossível, não nos sentirmos estranhos, quando alguém da nossa idade têm um império e nós, estamos a tentar decidir se vale a pena gastar dinheiro num bilhete de cinema. Não nos parece natural, mas a verdade é que, por ser uma realidade à qual temos um acesso tão fácil, começamos a achar que se passa alguma coisa de errado. Porque nos sentimos atraídos por aquilo, e começamos a seguir aquilo e quando damos por nós, aquela realidade é muito proeminente na nossa vida digital. 

Mas vamos passar para o plano real certo? Vemos aquele "hardwork" todo, e pensamos "não estou a fazer o suficiente". Bom, não é necessariamente isso, que está a acontecer. Estamos todos a lutar por alguma coisa, T-O-D-O-S, sem exceção. Alguns de nós, produtos das suas circunstancias, vão mais longe. E se calhar, agora, alguns de vocês concordam comigo, mas ainda estão de pé atrás. Vou dar-vos um exemplo, do qual tento lembrar-me várias vezes, para visualizar a situação, para perceber como, ainda assim, as pessoas no ocidentes, não estão tão longe como pensam.

Vou pegar agora no caso de Jeffrey Star (deixar a Kylie em paz um bocado). Já repararam no discurso dele? Do "self-made"? Muito giro, muito fofo, muito tudo. Também é extremamente tóxico, porque faz parecer que, pura e simplesmente, só não enriquece, e tem sucesso, quem não quer. Que ele, trabalhou tanto, que merece aquilo que tem. De facto, não duvido que trabalhe muito.

Mas o Jeffrey, se esquece-se de uma coisa. Das suas circunstancias. Que sim, eu sei que foram horríveis, que sofreu e teve uma vida dificil, até certa instancia, mas e depois? Ele nasceu num país de economia relativamente livre. A dada altura, as coisas começaram a resultar para ele. O gene do algoritmo dele bateu no teto. As redes sociais, permitiram que se alimenta-se da sua persona. Em algumas partes do mundo, essa possibilidade nem sequer existe.

O que eu me esforço por ouvir, quando oiço um milionário falar do seu sucesso, do seu hardwork; são as pessoas, do outro lado mundo, que trabalham horas a fio, em condições miseráveis e que provavelmente, nunca vão ter a sorte, de ser envoltas em circunstancias boas o suficientes, para saírem daquele patamar de, quase escravatura. As pessoas, fechadas em fábricas, a fazer embalagens, roupas, maquilhagens, durante horas a fio, a receber, muitas vezes, nem um dólar, por dia. As pessoas, que alimentam o selfmade dos jovens milionários (e dos outros também). E essas, essas são pessoas trabalhadoras, ou não? Não trabalham mais do que o Jeffrey? Do que a Kylie? Do que o Amancio Ortega?

Essas pessoas, são também produto das suas circunstancias, menos abundantes. Então, não, não é toda a gente que consegue aquilo que personalidades de culto conseguem. Uns, mais do outros, tem menos sorte (sim, a sorte existe), e isso não faz de ninguém, menos trabalhador. A verdade é que, estas vedetas, constroem à sua volta um castelo de brincar, onde a sua narrativa de "olha de onde vim, e onde estou" faz com que haja uma identificação, planta a esperança e cria expectativa, que inevitavelmente, gera frustração. Porque não, não temos todos o gene do algoritmo, a sociedade não sobreviveria dessa forma. 

Cada um de nós, à sua maneira, produto das suas circunstancias está a fazer o que pode, para ir em frente, naquilo que mais gosta de fazer. E nem sempre dinheiro é sucesso. Uma mansão aos 17 não é sempre uma coisa boa. É óbvio que é engraçado pensar nisso. Eu própria penso nisso, falo sobre isso com os meus amigos. Aliás, bons momentos, aqueles em que, com a testa em cima da mesa na universidade, gemia por uma vida mais fácil, "oh Deus, a tua filha está preparada para o euromilhões". 

Mas sabem que mais? Agora, pensando nesses momentos, de eterno desespero, as coisas são bonitas e simples, porque, olhando para trás, eu não trocava isso, por outra coisa. Palavra de pessoas que vive mais no futuro, do que no presente. Aquilo que a vida nos reserva, de determinado momento, para a frente pode ser sonhado, mas invejar tanto o presente de alguém, desdenhado do nosso, isso é preocupante. 

Cada um, consegue aquilo que consegue, com as ferramentas que tem à disposição







Tomem, como exemplo, alguns dos homens e mulheres mais ricos do mundo. Passam o dia a sair e a entrar de reuniões, tem de facto muito trabalho, muitas responsabilidades e não duvido por um segundo, que seja trabalhadores, que tenham lutado pelo seu lugar. Mas depois, aquele "eu não era ninguém, se eu consegui..."

Se ele conseguiu, teve aquilo a que eu chamo, um conjunto absolutamente maravilhoso de circunstâncias. Porque do outro lado do mundo, estão pessoas, a trabalhar muito duro e que provavelmente nunca vão sair do mesmo lugar, porque as condições não são as mesmas. Alguém duvida de que pessoas, enfiadas dentro de fábricas 14 ou 18 horas por dia, não sejam trabalhadores? Há alguma coisa no seu trabalho duro e mal pago que justifique a sua posição social? Há, de facto. O capitalismo. Porque no outro lado do mundo, uma pessoas que talvez considere a sua situação precária, teve acesso a coisas maravilhosas, que lhe deram trabalho, mas o levaram mais longe.

Nós somos produto das nossas condições envolventes. Este padrão pelo qual nos tentamos guiar, e que está amplamente difundido nas redes socais, e que nos faz sentir miser


um jovem influencer, com uma marca gigante, que se filma o dia inteiro a trabalhar, a sair e a entrar de reuniões. Realmente, parece-me cansativo. Mas agora, vamos puxar o fio. Vamos desenrolar este novelo. E as pessoas que fazem com a infraestruta se mova

Lit.eratura

Lit.eratura #1 - O Mercedes azul

setembro 21, 2020

O Mercedes Azul



Visto de cima, aquele momento existia em dois pontos diferentes, quase paralelos. Perdida, no meio de um campo de pasto, Luísa estava deitada. A barriga encolhida apontada para o céu e as pernas esticadas, na mesma direção. Os olhos estavam fechados, atentos, ao som das sinetas das cabras. 

Luísa respirava fundo, e como uma criança, afastava o mais que podia os dedos dos pés. De repente deixava cair as pernas, com força, em direção à erva, verde e alta. 

O movimento não durava mais do que uns segundos, que ela desejava e tentava prolongar. Ás vezes, tentava baixar as pernas mais devagar, outras preferia tentar sentir mais devagar.  O resultado era sempre o mesmo. Aquele alivio, aquela sensação de corte, macio entre os dedos dos pés. Ela desejava poder viver entre os dedos dos seus pés, onde o ar era particularmente bondoso. 

E passava horas, naquela incessante repetição. A erguer as pernas e a atirá-las contra o chão, esticadas como as cordas de uma guitarra, quase em ponto de rutura. Ela sabia que sentia sempre o mesmo, mas as suas tentativas de sentir tudo, de conseguir apanhar as sensações, faziam com que se perdesse. 

Luísa, era uma daquelas pessoas especiais, a quem o toque é mais do que o encostar ou sentir da pele. Ela queria descobrir por onde subia, como é que se transformava numa coisa tão boa.

Ao mesmo tempo que Luísa subia e baixava num baloiço inventado por si, uns metros mais acima, a deslizar numa curva, Catarina escorregava dentro do velho mercedes azul do pai. 

Catarina agarrava o volante com uma certa força, esquecida das mudanças, concentrava-se no alcatrão negro, colocado semanas antes. Ela não podia saber disso, pouco se lembrava daquela estrada, mais do que o caminho, lembrava-se do sol e o sol toldava-lhe as memórias. Sabiam-lhe a bem, mas mal as vias. Se erguesse os olhos, por cima dos óculos de sol, teria a mesma sensação, que a acompanhava em criança, quando vinha passar as férias de verão a casa dos tios. 

Catarina e Luísa eram exatamente iguais. Fisicamente, separava-as uma mancha. Luísa tinha um sinal engraçado no lábios, que Catarina agarrara, quando a viu pela primeira vez. Foi amor à primeira vista. As duas meninas tinham ficado espantadas com a sua forma idêntica. Passavam dias a imitar-se. A aperfeiçoar o ritmo das passadas, a imitar o tom da voz. Tocavam nos dedos, uma da outra, como se fossem um espelho.

Fisicamente, separava-as o sinal de Luísa. Em todas as outras esferas, não podiam estar mais distantes uma da outra. Catarina desfilava no meio de uma Lisboa boémia e Luísa perdia tardes a sentir o ar, entre os dedos dos pés, enquanto cuidava de um rebanho de cabras. 

Luísa ouviu o carro que lhe cortou o vento. Foi mais ou menos, como quase adormecer e ter a sensação de que se está a cair. Catarina também sentia isso, mas tropeçava em pedras de calçada, enquanto que Luísa, temia cair dentro de poços.

As cabras assustaram-se, com o barulho do carro e correram a fugir, para debaixo de uma azinheira. Luísa ergueu-se, descalça e arranjou a saia. Ouviu a chiadeira do carro a travar e de repente, de lá saiu uma mulher, exatamente o oposto daquilo que ela própria parecia. 

Tinha um lenço fino na cabeça, uns óculos escuros e um vestido azul, tão vibrante, que mal se distinguia da cor do carro. A mulher baixou-se, tirou os sapatos e desceu a encosta que a separava de Luísa. Quanto mais a mulher aproximava, e quantas mais camadas ia retirando de cima, mas parecia um reflexo.

Um colar de pérolas caiu, engolido, para sempre pelas ervas verdes, que ronronavam nas pernas de Luísa. O lenço voou, tão alto, que até os pinheiros o perderam de vista. Depois os óculos, negros, deixaram adivinhar a Luísa o seu reflexo. 

As duas mulheres ficaram a olhar-se. Por um momento, nenhuma das duas se viu. Sem o barulho do carro, o vento voltou a fazer rugir as árvores e a sineta das cabras voltou a equilibrar a vida de Luísa. Poisou-lhe um mosquito no braço e ela bateu-lhe com tanta memória no gesto, que o pobre inseto foi dar à terra escura, numa bem aventurada viagem, ao inicio. 

Catarina olhou o gesto da prima e por instinto, um tão primitivo como o ciúme ou o amor, quis repeti-lo. Sorriu. Tinha razão em ter vindo até aqui, ainda restava um pedaço seu, no meio do fim do mundo. Ela tinha perdido tudo, menos a criança que fora um dia. Essa não tinha sido magoada, por ela ou pelos outros. 

Luísa sorriu também. Via os olhos verdes, rasgados da outra e era como enfiar a cabeça dentro de um rio.

-O verão acabou.- Catarina deixou que as palavras se espalhassem, como a água, ao fim de uma tarde de rega.

-Mas está já ali, ao virar da esquina.

Catarina rodeou os braços em torno de Luísa. Haviam dez anos que não se viam. A promessa de um regresso ficou a boiar, no tempo que avançou, sem nunca se mover. Porque tudo leva tempo, e o tempo leva tudo. 

Por alguns segundos, minutos, horas, dias ou meses, talvez anos, elas ficaram ali. Fundiram-se numa mescla de vidas que já não conheciam. Conseguiam sentir-se, mas passava-lhes ao lado aquilo que cada uma carregava. Isso intrigou Catarina. Como é que podia estar ali, a abraçar uma amiga, com quem não falava há dez anos e sentir que ela tinha estado sempre ao seu lado? Como é que podia tocar a pele de alguém, sentir o movimento das suas respirações, debaixo dos seus braços e não saber nada, daquilo que já a tinha comovido? 

Não fosse Luísa, igual a Catarina, e teria sido tão fácil reconhecê-la? Ela queria querer que sim. Com o nariz enterrado no cabelo de Luísa, sentiu que o buraco no estômago se ia enchendo. Numa lenta procissão de retrocesso, a sua dor parecia-lhe agora um anacronismo.  

-Porque é que estás aqui?- A voz de Luísa partiu-lhe o sono.

Afastou-se. Eram exatamente do mesmo tamanho. Supunha que fossem exatamente iguais, pelo menos por fora. Supunha também, que teria sido por isso que nunca mais voltou àquela terra. A semelhança das duas incomodava toda a gente.

-Porque estou triste.- Respondeu-lhe por fim. Afastou-se e olhou em volta. O som das cigarras, as sinetas, o vento, a erva e o vento tocaram-lhe a pele e ela percebeu que tinha vindo ver-se, talvez pela última vez. 

-Podes vir comigo?- Estendeu a mão a Luísa, que de repente percebeu, tudo aquilo que agora as separava.

Catarina era elegante, tinha as unhas pintadas, uma pele clara. Luísa tinha as unhas negras, as mãos envelhecidas, e o seu fato de todos os dias, só era trocado ao domingo. 

-Onde? – Agarrou a mão de Catarina e deixou-se ficar a olhar para as unhas escarlates da prima.

-Até ao pego?

-Isso é longe.

As pernas doíam-lhe. Se adivinhava grandes caminhadas, tentava não sentir o vento com tanta força. 

-No meu carro.

Luísa sorriu. Ela nunca tinha andado de carro. Mas de repente, as sinetas roubaram-lhe o rasgo de felicidade. Se deixasse as cabras sozinha, podia adivinhar uma sova. 

Catarina percebeu o problema antes e de repente, as duas raparigas corriam, cada uma de um lado do rebanho. Havia um palheiro, abandonado mais acima. O vento fustigava-lhes a pele e elas enterravam os pés na terra. As cabras foram entrando, qual destino, numa onda bem comportada. 

-Já andaste de carro?- Catarina abriu a porta do condutor e Luísa negou com a cabeça. Parecia demasiado pequena agora, embora ambas fossem altas, uma parecia agigantar-se sobre a outra. 

-Então porque é que não vens conduzir?- Catarina abriu a porta. 

-Eu não sei conduzir.- Não era tanto um som de vergonha, mas sim uma excitação, misturada com modéstia, que tanto embaraça as mulheres em momentos de decisão.

-Claro que sabes!

Luísa sentou, à frente de um volante muito caramelo. Os seus pés, derreteram na forma natural dos pedais e ela esperou, muito quieta, que Catarina se sentasse ao seu lado. 

O som da porta, a fechar-se, fez com que se endireita-se. 

-Empurra o pé esquerdo, todo para o fundo.- A mão de Catarina fez força no seu joelho e ela deixou que o seu pé se afundasse. 

Riu-se. Havia um padrão engraçado no pedal, que lhe fazia cocegas.

-Agora.- Disse enquanto deixava o travão de mão descair.- Levantas esse pé. Muito devagar.

A força que fazia no joelho de Luísa afrouxou. 

-Agora este pé.- Guiou o pé de Luísa para o pedal direito.- Vai fazer força.

Luísa sentiu a troca de poder, de um pé para o outro e o mercedes azul rugiu, vibrou tão alto que lhe perderam o rasto, e depois cuspiu-as, violentamente para frente.

Catarina puxou o travão de mão. 

Luísa tinha o coração a cavalgar-lhe no peito, louco de fúria por não ter por onde se escapar. 

-Outra vez.

-Não!- Catarina afastou as mãos. O volante parecia ferver-lhe a pele.

Custava-lhe respirar e sentia-se presa, dentro do estômago de uma fera.

-Não faz mal! – Garantiu-lhe Catarina, enquanto dava à chave.

Visto de cima, os dois pontos colidiam-se agora, já não havia nada a separá-los. Já não era preciso dividir a atenção entre uma e outra. Já ninguém estava perdido. 

Elas avançaram calmamente, com um sorriso contido, enquanto de vez em quando, Catarina roubava o volante de Luísa e esta se ria.

Luísa, por momentos, sentia-se a pele no meio dos seus dedos dos pés. Pela primeira vez, desde que começara aquele hábito excêntrico de sentir o vento entre os dedos, sentia que conseguia prolongar a sensação, que se perdia nela. 

Não via aquela rapariga, que era exatamente igual a si, desde que tinha dez anos, no entanto não se sentiu pasma por um segundo, quando a viu deslizar por entre a erva. Ficou lá, parada, como se soubesse, desde a última vez que a vira, que ela regressaria, tal como partira. Calmamente, sem a angustia da despedida, ou a surpresa do regresso. É que, é na mentira da promessa, que se acalmam os terrores dos ignorantes, e elas eram duas crianças, sujeitas às mentiras que as fizeram prometer voltarem a ver-se.

Pararam o carro, num caminho sinuoso que teriam de fazer a pé, até ao pego. Bateram as portas com força e foram juntar-se à frente do carro. Luísa olhou para trás, o mercedes azul parecia a olhá-las, uns olhos redondos e sérios. 

Caminharam em silêncio. A saia cinzenta de Luísa resistia às mordidelas das silvas mas, o vestido de cetim azul de Catarina, começou a ceder. Pedacinhos de neve azul, que haveriam de se perder nas profundezas daquelas floresta, até muito depois de nenhuma delas existir.

Ouviram o som da água, e numa coordenada dança, escorregaram pelas pedras lisas, até se sentarem no topo daquele poço gigante. A água estava clara, e a cascata, ao fundo, desenhava círculos que lhes chegavam aos ouvidos. Ficaram ali, a balançar as pernas, para fora do penhasco. 

Catarina riu-se, num sussurro de desdenho. Havia uma animosidade no som, que fez com que Luísa se encolhesse. Lembrou-se das palavras dela “Porque estou triste”

-O tempo é esquisito. É como se nunca tivesse saído daqui.- A voz de Catarina esticou-se, até quase tocar na água. Depois voltou para cima.

-Se calhar nunca saíste.

Luísa sabia que não podia acompanhá-la. Separava-as uma tempestade de sorte, que empurrou o irmão do seu pai em direção ao sul, e puxou o pai de Luísa, que ficou a ver, enquanto o irmão se movia, para trás de onde se punha o sol.

Para um partir, o outro teria de ficar. Ninguém salta de um penhasco, sabendo-se sozinho. Deixa-se sempre alguma coisa.

-Tens razão.- Disse Catarina.- Foi por isso que voltei. Enterrei partes de mim em vários lugares. Quando cheguei ao fim da linha, fui voltando para trás, fui tentando encontrar aquilo que tinha semeado, mas já estava tudo morto. Percebo agora, que só aqui, é que alguma coisa cresceu.

A tristeza movia-se atrás delas. Era escura e rastejava por entre as pedras, parecia-se com uma inundação, latejante e lamacenta, que iria começar a incomodá-las em breve. 

Luísa não sabia muito sobre a tristeza, ou se sabia, não lhe dava nome. Mas Catarina, parecia ter mergulhado tão profundamente na sua, que falava dela (e com ela), como se a intimidade da dor, as tivesse tornado confidentes.

-Não me vais dizer porque é que estás triste?- Se Luísa soubesse, podia dar-lhe conselhos. Conselhos pobres talvez, mas os que tinha para oferecer.

Catarina brincou com um anel enorme, entre os dedos das mãos e por momentos, parecia afogar-se dentro do diamante solitário. Ela tocava no objeto com uma certa raiva, até aquele presente estava envenenado. Até aquela joia desamparada, era um lembrete da sua própria solidão. 

-Porque me perdi.- Sussurrou.- E à bocado, quando te vi, foi a primeira vez, em muito tempo, que senti que existia. 

Catarina achava-se perdida. Tinha saído de casa, às portas de Benfica, de madrugada. Mais ou menos como agora, mas numa escala completamente diferente, a tristeza que a acompanhava, começou a sufocá-la. No quarto, sozinha, sentiu-se afogar. Ela entrou por debaixo da porta, pelas ranhuras das janelas, a dada altura ficou tão alta, que Catarina precisou de esticar o pescoço para cima, a fim de se manter à superfície. 

Agora, ali, havia mais espaço, ela demoraria a encher aquele copo. 

-Não te perdeste, se soubeste vir aqui dar, ao fim de dez anos.- Luísa fez-lhe uma festa nas costas, como fazia aos seus gatos.

Catarina sorriu.

-Tens razão. Palmilhei muito mundo, mas parece que os meus pés continuam aqui, presos.

O silêncio, comeu aquilo que crescia entre elas. Luísa sabia que Catarina era casada, embora não tivesse sido convidada para o casamento. Ela tinha noivado um homem novo, com pinta de vilão, saído de um conto do Eça. Com um daqueles bigodes ridículos, frases feitas, engolidas e cuspidas de gazetas intelectuais. Passava o dia a saltar de paço em paço, com um sorriso tão afiado, que cortava a mais frágil das córneas. 

Luísa tinha ficado magoada, por não ter sido convidada mas, rapidamente a mãe lhe fez ver, o favor que a prima lhe fizera, em não a convidar. Afinal, o que faria uma guardadora de cabras, num casório de classe, na capital?

Catariana odiava o marido, mas odiava-se a si, ainda mais, do que ao prepotente de bigode espetadinho. Ela tinha sido engolida, por ela mesma. Comera cada coisa que adorava em si, e que a fazia diferente. Tinha-se tornado uma sombra, anafada, de si própria. Aquelas pessoas, aqueles elogios, aquelas casas e aqueles carros. Os domingos em frente ao mar, o estalar das ondas, nada disso a satisfazia e foi de repente, que se encontrou à beira da relva, virada para o mar.

Catarina deslizou, pelas janelas duplas, da sua casa de fim de semana, perto da boca do inferno. Foi caminhando, vagarosamente. Os pés enterravam-se na relva molhada. O mar via-a, e temia por ela. Não eram as suas ondas que era perigosas, era tudo aquilo que se erguia atrás dela. 

A casa, agigantava-se sobre ela, como uma vaga tão poderosa, como as ondas do mar. Ela sorriu. O sol rasgou as nuvens, laranja, tão intenso que se tornou preto e ela arrepiou-se. Estava tão vazia. Aquela tristeza que carregava em si, era igual à maré. Enchia e subia ao sabor das suas luas. Quando estava com ela, pelo menos sentia, mas quando ficava rasa, o sabor da miséria empapava-se-lhe na língua. 

As lágrimas molharam-lhe as bochecha, salgadas. Era por aí que se escapava a sua tristeza. Lágrimas negras que a deixavam vazia, que se iam unir ao mar. O céu estava escuro, além daquele rasgo de luz, que tantas vezes se vê na marginal, em dias de tempestade. 

Naquele momento, o mar, esse que sempre existiu, esse que sempre prevaleceu, muito antes de Moisés o dividir, pressentiu-se ser batizado, pelas lágrimas salgadas de Catarina, que o faziam, naquele momento, encolher-se. O mar sentia-se agora rio. 

E Catarina quase o fez, de pés juntos. Quase deixou que o ar, aquele mesmo ar que fazia Luísa regalar-se de cócegas, fosse a última e a primeira coisa que sentisse, quando se deixasse encher de lágrimas. Quando, num movimento natural, o mar a começasse a chorar para dentro.

Agora, sentada ao lado de si mesma, olhava para Luísa. Os seus pés estavam mais perto da água do rio, do que da água salgada naquele dia. Mas ela não sentiu nada. Olhou para o lado, e viu, que pela ponta dos seus dedos, se lhes escapava a tristeza, tal e qual como naquele dia, parada diante da boca do inferno. Ela viu, como caiu e se espalhou na água, como a deixou suja por uns segundos, viu como mais e mais se lhe esvaia do corpo, qual carreiro de formigas.

-Olha.- Disse Luísa, afastando os dedos dos pés, tão longe que pareciam uma estrela do mar. Ela começou a balançar as pernas e Catarina seguiu-lhe o exemplo. 

O estomago de ambas vibrou. O vento lambia-lhes a pele, naquele sitio, tão escondido no corpo, que raramente lhe prestamos atenção. Tão precioso e único, como uma criança. E pela primeira vez, em muito tempo, Catarina riu-se. Riu-se, riu-se, riu-se e riu-se. 

O sol punha-se agora, e a gargalhada dela aumentava, conforme a força com que abanava as pernas, na beirada daquele precipício, que agora não parecia morte, mas sim vida. 

E como um espelho, o dedo indicador direito de Luísa, tocou o indicador esquerdo de Catarina. Elas continuaram, a balançar as pernas, a voar mais e mais alto. O rio foi se afastando, e elas, pareciam de repente a mesma pessoa. 

Ficaram mais e mais distantes, um ponto de reconciliação ao som da água, até que tudo parou, perto do velho mercedes azul, que as olhava, com a consternação de alguém que tinha sentido e visto, demasiada dor. Como um soldado, que regressa a casa, com o alivio de estar de volta, mas com a certeza de que carrega aos ombros, uma carga que nunca poderá poisar. 



Todos os direito estão reservados e salvaguardados à autora do conto.

livros

1Q84 Haruki Murakami - Opinião

setembro 19, 2020

Eu gosto de livros simples. Passam-me ao lado, livros onde o pretensiosnismo do autor, é mais agudo que o das personagens. Há algo de extraordinário num escritor que consegue, simultaneamente, descrever o complexo de forma natural. Murakami, apresenta-nos um mundo com duas luas e nós não lhe duvidamos da palavra. 


"19Q4 Volume I" empurra-nos para o Japão, onde no ano 1984 somos apresentados a duas personagens. Aomame, uma mulher fatal, no sentido mais lato da palavra (é uma assassina profissional) e Tengo, um professor de matemática e editor/escritor nas horas vagas. Capitulo sim, capitulo não, somos confrontados com estas duas realidades, muito destintas. 
Há medida que o livro avança, estes dois antagonistas vão se aproximando, naquilo que só podemos prever, ser uma colisão fatal.
É estranho começar a ler este livro, porque primeiro: é muito bem escrito, sentimos que estamos dentro do livro desde o primeiro momento e isso é raro. Muito. Já o disse aqui muitas vezes, mas a pior parte de um livro é o começo. Murakami possui o dom de nos familiarizar com tudo, de uma forma tão leve, que nem damos por ela. E segundo: o facto de termos a narração de dois personagens faz-nos constantemente ansiar sempre por um diferente. 
É de louvar aos céus, a narração do ponto de vista de um homem e de uma mulher, ser escrita pela mesma pessoas e não darmos por um pingo de descriminação. A história leva-nos pelos pormenores mais sórdidos do ser humano, sobre o poder e a crueldade de matar outro igual. Sobre quão longe, vai a sede de controlo e poder pelo outro. 
Este livro não é só sobre o Japão, ou sobre a vida de Tengo ou Aomame, é sobre os nós, pessoas, e até onde somos capazes de ir quando perdemos o controlo das situações onde nos encontramos.
Mas é engraçado, como ao inicio pensamos "mas porque raio estamos a ler sobre o professor/escritor e uma assassina?". Não estamos. 
É interessante, como tanto do livro gira em torno da violência contra a mulher. Aomame não mata homens "normais", mata homens que infernizam a vida de mulheres, que as espancam, que as violam, que as fazem querer por termo à própria vida. Tengo, sem saber, acaba por encontrar uma dessas mulheres, jovem e tão calada por fora, como talvez por dentro. Esta jovem parece ser a chave de tudo aquilo que vamos lendo. Sendo isso verdade ou ficção. Porque podem estes dois personagens, que vivem aparentemente no mesmo mundo, estar a caminhar em direção ao mesmo? 
Descobri aquilo que se passava com Tengo e Aomame no ultimo capitulo, percebi como se relacionavam e porque andava eu a ler sobre eles, alternadamente, um no ano de 1984 e outro no ano de 1Q84 e isso só confirmou aquilo que percebi no inicio do livro. Murakami é um génio. 
Este, não é tanto um livro que se pode explicar, nem tão pouco opinar. É um livro que precisa de ser lido, porque nenhum surpresa é tão boa, como a de perceber o jogo o que jogamos, ao longo das páginas deste primeiro volume. 

livros

O Livro dos Baltimore de Joel Dicker Opinião

agosto 25, 2020

 Com um mistério perspicaz, personagens com intelectos bem construídos e um cenário que relembra, em tudo, o sonho americano, Joel Dicker tinha em "O Livro dos Baltimore" tudo, para conquistar qualquer um. 

Não sei exatamente onde começou a minha obsessão com este livro, mas suponho que tenha sido a premissa de uma mesma familia, com dois ramos. Um a pender para a normalidade quotidiana e outro a pender para o luxo, fortuna e sorte. Estes dois ramos, juntam-se pela irmandade, que surge naturalmente entre primos na infância, no entanto, há medida que crescem, aproximam-se mais e mais de um Drama (acontecimento trágico), que mudou para sempre a história da família. 

A narrativa centra-se, ela própria num escritor. Marcus Goldman de Montclaire, um dos primos, que é agora um escritor milionário, a escrever sobre a ruína, daqueles que um dia idolatrou: os Goldman de Baltimore. Marcus, é ao mesmo tempo o foco e orador desta história, cheia de saltos no tempo.

Nesse aspeto, ponto para Dicker que consegue dar um sentido uniforme às analepses de que enche o livro, no entanto (como sempre, pelo menos para mim) o inicio deste livro é difícil, cheio de coincidências instantâneas que nos fazem duvidar da "veracidade" daquilo que se está  passar. O livro, só se começa a desenrolar verdadeiramente, quando somos atirados para o passado luxuoso onde Marcus e os primos, Hillel e Woody viveram.

Uma história de família trágica, que desde o inicio é previsível (uma infância a ver novelas e uma adolescência recheada de Eça), desde o inicio senti este desconforto quanto a Hillel e Woody, que são unidos pela necessidade de sobrevivência em ambiente escolar. Dicker, descreve com tantos pormenor as atrocidades que Hillel sofre na escola, que chega a ser desconfortável, também porque é óbvio que os seus pais, só não fazem nada em relação a isso para proveito do autor e da narrativa.

Entre indas e vindas do passado, de vez em quando somos obrigados a lidar com a vida atual de Marcus, que, ainda tenta desfazer-se do fantasma dessa família rica que perdeu. Estes, são os momentos menos necessários. Engolimos um romance pouco convincente, onde os diálogo, que aliás, foram a pior parte deste livro, se tornam ainda mais fracos. 

No entanto, embora talvez no meu tom se note ressentimento, este livro teve os seus altos, bons e maravilhosos. Quando o autor se concentra em contar-nos a história destes primos, que são tão humanos como qualquer um, que sentem ciúmes, amor, cumplicidade e ódio, o livro atinge o seu pináculo. 

Aventuras como as vimos nos filmes dos anos 80. Laços de amizade, que só existem enquanto o mundo não nos roubou a liberdade, e a atroz honestidade que nos consome quando somos crianças, são muitíssimo bem agarradas neste livro.

Uma tragédia previsível, mas felizmente bem fundamentada. Um destino ao qual nenhum destes três rapazes podia escapar e uma vida, vivida a remar contra a maré. Eles não puderam mudar o mundo. 



livros

Sol da Meia Noite de Stephenie Mayer Opinião

agosto 18, 2020

Há coisas que nunca esquecemos. Eu, por exemplo, não posso nunca, esquecer o auge dos meus 11 anos, altura em que forrei o quarto com posteres do Edward Cullen. Outra coisa que também não podemos esquecer, são as vagas de amor e ódio, que varreram os filmes e livros deste universo perverso e desumano.
Por isso, com uma mão cheia de tempo livre e outra cheia de curiosidade, li as 750 páginas que dão vida a "Sol da Meia Noite". 


Foi a primeira vez que li um livro da saga e encontrei-a, parecida como a tinha deixado na memória dos filmes. Nada feliz. Sempre vi os filmes da saga por alto, mas lembro-me do desalento e da tristeza que pairava sobre o universo de Bella Swan e, aquilo que encontrei nos factos narrados por Edward, foi ainda mais depressivo.
A monotonia de Forks e dos Cullen é levada pela chegada de Bella e, se alguma vez nos pareceu que Edward era forte ou poderoso, cai tudo por terra.
Insegurança e medo são dois adjetivos que caracterizam o tom do livro, aliás, ás vezes a batalha interna de Edward é tanta que damos por nós a sentir que já lemos sobre isso mais do que o necessário e talvez, talvez tenha sido esse o único aspeto que me aborreceu na leitura. Necessário, sim. Aborrecido, de certeza.
Mas, tirando essa pedra, posso dizer que fui sugada para Forks em menos de dois ou três capítulos. A lamechice ou o romance não tem muito espaço nas primeiras 300 páginas e aquilo a que somos apresentados é ao amor sem precedentes de Edward por Bella, um amor tão grande, que para ele se mistura com outros sentimentos tão profundos, que se tornam uma mixórdia de alegrias, euforias, depressões e dúvidas. Chega a ser fácil pensar na sensação de se estar verdadeiramente apaixonado (menos a parte do sangue).
E é fácil descarrilarmos este combóio. E foi isso que li em alguns sites. Um tipo que ama e luta por não matar e manter viva a namorada, que a espia durante o sono... se alguém esperava um salto neste tópico, deixem-me dizer-vos que não existe. Para além de ele sentir culpa pelo comportamento obsessivo, no livro e talvez no género do livro, encontremos uma resposta para o mesmo: É fantasia. É um livro sobre o fantástico. 
É que o tipo é um monstro não é? Os vampiros não sugam sangue e não matam pessoas? Não é isso que vemos em Drácula? Vampire Diaries? Humanos indestrutíveis, com instintos animais? Só que estes Cullen tem um auto-controlo grande e querem viver de acordo com as regras humanas. 
E para ser honesta, ninguém teria tanto azar como Bella Swan na vida real. E ninguém teria tanta sorte para encontrar um tipo como Edward, pronto e com força suficiente para nos salvar de uma carrinha desgovernada, que está prestes a esmagar-nos. 
Honestamente, ao ler o livro, torna-se difícil de o ver como um stalker, dada a sua natureza e condição, e com a quantidade de infortunios que rodeiam Bella, senão fosse por Edward ela precisaria de duas ou três guarda-costas e de uma limpeza astral. Não é humanamente possível alguém ter tanto azar. 
A minha conversa de sempre, um livro de fantasia que as pessoas querem a todo o custo polarizar para a vida real. 
Sol da Meia Noite é um livro de leitura fácil, Stephenie Mayer sabe escrever e é muito (muito) paciente, não atira o barro à parede e espera que cole. Antes, cada pequena revelação, cada coisa que poderia ser bizarra, é contada de forma e na altura certa. São poucas as vezes que desacreditamos ou colocamos em causa a veracidade do universo que ela construiu. A escrita é simples e flui como mel... e por falar em mel! Este livro (graças a Deus) não é uma pieguice pegada! As coisas são naturais e fluidas e há muito mais espaço para conversas e piadas internas do que para uma necessidade sangue suga (piada) de romance a torto e a direito, isso teria feito com que eu deixasse o livro a meio.
Por isso, de uma pessoa que mal consegue ver os filmes, que se torce toda, com os franzir de olhos que fazem com que os vampiros pareçam, na sua maioria miopes, posso dizer-vos que este livro é muito, muito diferente da história que vimos nos cinemas. Pelo menos aqui ninguém anda sempre a semicerrar os olhos.
Edward parece mais humano, Bella menos frágil, uma verdadeira heroína mesmo e, tal como para Edward, a única que é capaz de levantar o nevoeiro depressivo que se abate sobre a leitura.
Este livro, não nos faz particularmente pensar ou refletir (a não ser na imortalidade, que no fim de algum tempo a matutar, descobri que é simplesmente igual a morrer), mas faz-nos passar o tempo. Preferível a ver uma série ou filme, gostei muito mais de ler, do que de ver.










Olá

agosto 03, 2020

Já lá vai um tempo, desde a última vez que escrevi aqui. É estranho porque raramente penso que alguém lê o que escrevo, não sou muito ativa na comunidade de bloggers que ainda escrevem, não encontro em mim a capacidade de pedir ou fazer parecerias com outros blogs e para ser sincera, leio apenas um ou dois, talvez venha dai a péssima veia para isso. 

Mas, de vez em quando salta-me uma mensagem no instagram "tenho atualizado todos os dias, a ver e publicas" e por isso, por essas pessoas que me fazem sempre sorrir, achei que devia vir aqui, falar  escrever um bocadinho. 
É certo que não são muitos os que vão passar por aqui os olhos, mas se fosse eu, desse lado e depois de tudo o que tenho experienciado, ia gostar de ler isto.
Terminei agora a minha licenciatura, passei, aqueles que julgo os melhores três anos de aprendizado da minha vida escolar. Mas durante este terceiro ano, tão caótico, primeiro porque era tudo novo e tão experimental e depois, pela pandemia que nos varreu, senti-me sempre de costas para a praia, a bombalear as pernas de frente para o mar. A onda vinha longe, se quiserem, vinha para lá do Bugio. Mas eu adoro o mar, não lhe resisto, sinto-me sempre tão leve, sendo dramática sinto-me sempre a gravar um filme espacial, onde o meu peso não significa nada. E eu via a onda. A vida foi uma sequência de pequenas ondas das quais me safei bem mas, eu não estava a ver o que vinha a seguir àquela.
Licenciei-me em ciências da comunicação. Fui boa e horrível, ri-me e chorei. Numa boa cena de hollywood, quando fechei a porta do estudio depois do meu primeiro direto a televisão, senti o gelo da porta nas costas e chorei. 
E hoje, depois de vários dias, semanas, que já cá estavam antes de desligar a última chamada de zoom em aula afundei-me na angustia de não saber o que vinha a seguir. Existem cursos, licenciaturas mais naturais que a minha. Existem caminhos mais bem traçados, mas o meu está tão aberto, que deixei a costa lá atrás e estou a tentar, a tentar encontrá-la de novo. 
Ando perdida entre mestrados, estágios, televisões e revistas, ideias excêntricas de ter uma loja online ou publicar um romance. Parto-me em sonhos e desfaço-me em incertezas. Há pouca vida e poucas Saras. Espero revirar-me os olhos daqui a dez anos a ler isto. A Taylor Swift não escreveu um hino para os loucos 22 anos porque sim. Realmente, a ruina, a adrenalina, o amor, a esperança, o medo dançam-nos nas veias. 
Os 22 fizeram-me ficar sozinha, sentada na relva, no meio do parque das nações a pensar em nada, com tudo a correr-me debaixo da pele. 
O medo não me está a dominar, não o sinto, mas é sempre assim, faço-lhe festas quando ainda é pequeno, e de repente, o meu amor alimenta-o com tamanho egoismo que lhe perco o controlo. E coloco tudo em questão.
Sou boa pessoa? Ainda sei escrever? Apaguei-me? Sou boa jornalista? Sei falar bem? Tenho futuro, ou estou condenada a viver para sempre com medo da sombra de uma coisa que ainda não tenho, mas da qual o medo já tomou conta?
Estes, foram pensamentos que tive antes de entrar na faculdade, e talvez os inicios e fins de ciclos sejam isso mesmo, regados de nostalgia por aquilo que um dia, já foi um bicho de sete cabeças. 
Boa sorte, para mim, para nós.

O que é português, é tão bom!

julho 16, 2020

Quantas vezes, não nos apanhamos num consumo desenfreado de conteúdo internacional? Bom, para quem, como eu, cresceu numa posição estranha, onde ninguém via cinema português, onde as séries/novelas eram sempre "mais do mesmo" e a música se resumia aos mesmos gatos pingados de sempre... estes últimos meses foram bons para colocar tudo isso em perspetiva. 

Por isso, aqui ficam alguns tesouros portugueses que encontrei nos últimos meses:

Podcast/rádio

Nesta categoria, temos dois. O "HÀ conversa" e "Grande Reportagem", ambos da Antena 1.
O primeiro, é conduzido por José Candeias que, através de um telefonema fala com as gentes das terras que se espalham pelo nosso país. Lembro-me de acordar muito cedo e de ouvir, ao longe, no rádio dos meus pais, as histórias das pessoas, todas elas diferentes, mas sempre dispostas a partilhar um bocadinho da sua vida. 
Há tanta história e talento em todas as pessoas, que este programa desfaz a necessidade de se fazer valer de figuras populares para conseguir audiência. São pessoas, a falar para pessoas e para quem estudou jornalismo isto é bem capaz de ser o ápice de todos os nossos desejos.

"Grande Reportagem" é mais ou menos como aquelas peças que surgem no final de um jornal de sexta ou segunda feira na televisão... só que para se ouvir. Este foi um dos tesouros que o nosso professor de rádio nos apresentou. Fazer reportagem em rádio é algo tão sensível, tão pessoal. Não há imagens que nos distraiam de textos "mais ou menos" e aquilo com que somos deixados, são realmente obras de arte. A minha preferida foi a última que ouvimos "pass'à bola". Fala-nos de uma equipa de futebol, que foi criada para juntar miúdos de dois bairros "rivais" em Lisboa. Para além do futebol explora as carências e histórias de vida das pessoas que ajudaram a construir o projeto e daqueles que habitam no bairro da Horta Nova e Quinta do Cabrinha.


Televisão


Devo confessar que desde miúda que fui "obrigada" a ver as séries da RTP, mas tornou-se um gosto que apanhei com o "Conta-me como foi".
Embora tenha gostado desta nova temporada que saiu este ano, nada ultrapassa o primeiro episódio em que o Carlitos se auto diagnostica com cancro nos ovários. Esse é episódio que vai e não vai, vamos todos ver à RTP Play ou ao Youtube.
Para além disso, agora temos a passar o "Terra Nova", às quartas feiras. Para alguém que não tinha ficado muito agrada com a série "A espia", esta nova série foi uma lufada de ar fresco. A série acompanha a vida e preparação de uma comunidade piscatória, que prepara os seus homens para irem à pesca do bacalhau.


Música


Estava eu a preparar-me para mais uma temporada da série "encontrar alguém que queira dar uma entrevista", quando encontrei a "Bia Maria". Confesso que já me tinham recomendado ir ouvir e fui. Fui e foi como um rufar de tambores. Música que conta história e um EP "Mal me queres, bem te quero" que conta uma história. A Bia revelou-se, não só uma entrevistada incrível e cheia de personalidade, como cativou toda a gente à minha volta que a ouviu cantar. Por isso, deixem já o que estão a fazer e procurem por ela no youtube ou spotify!

Redes Sociais


Queria e não queria, trazer para aqui as redes sociais. Queria porque nas contas e com as pessoas certas surgem debates interessantes e não queria, porque me surge logo o estigma das influencers e isso deixa-me um sabor estranho debaixo da lingua. 
No entanto, nestas ultimas semanas, existiu uma que me fez não só pensar, como expressar melhor as minhas opiniões quanto a um tema em especifico. 
Helena Magalhães, escritora do livro "Raparigas como nós" tem trazido tópicos interessantes para cima da mesa, quanto à literatura portuguesa ou, como gosto de lhe chamar, "des"literatura; tudo aquilo que não é erudito e escrito por grandes pensadores do nosso país. 
Eu adoro ler bons clássicos, e tenho até certas expectativas sobre aquilo que um livro precisa de carregar em si, mas a verdade é que, como todo o comum mortal, ás vezes também me apetece ler outro tipo de coisa. Ficção e ficção escrita por portugueses, especialmente mulheres, dificilmente sai dos circuitos paralelos de publicação e edição de livros. 
Não há espaço para alguém que queira simplesmente escrever, por escrever e ler, por ler. Está tudo muito estruturado, o pensamento e ideia daquilo que é bom e mau está de tal forma enraizado no sistema editorial português que pura e simplesmente não há espaço...

Ficam aqui algumas sugestões, umas que me foram incutidas por pessoas sábias, outras que descobri sozinha, mas tudo coisas que me fazem querer aprender mais sobre a arte no nosso país.


Li os livros de "365 dias" para que mais ninguém precise de o fazer

junho 13, 2020

Que sabor é este debaixo da minha língua? Humm, será o da amargura? É bem capaz.

Antes de eu me soltar neste penhasco de auto-censura, aviso que se alguém tem interesse em ler os livros, escolha agora continuar a ler por sua conta e risco porque... contém spoilers, no entanto, conhecendo a maioria de vocês...boa leitura.


Para que fique claro, eu não li o primeiro livro por razões óbvias (vi o filme) e os dois livros que dão continuidade e final à trilogia foram lidos rapidamente e na diagonal, primeiro porque li uma tradução cedida pelo único pdf que encontrei (cortesia, tenha a certeza, do google tradutor) e depois porque, além dos clichês que referi no episódio do podcast, o último livro deu-me a volta ao estômago. 
O filme deixa-nos pendurados algures entre a morte de Laura e o desespero de Massimo, bla, bla, bla a Laura não morre. Fica com o seu "querido" Massimo, que adora o facto de ela estar grávida. Casam-se, grande casamento, carros, casas, sexo e zangas, aviões e guess what? Isso mesmo, mais raptos.
A razão pela qual estou a falar sobre isto, é que depois do podcast e, de ter recomendado verem o filme, se gostassem deste tipo de filmes/livros é: qualquer coisa não estava a bater certo. 
Publiquei o podcast e senti-me desassossegada, como se alguma coisa estivesse a falhar e isso deixou-me tão tensa, que tive que ler os livros para perceber.
É que esta autora, Blanka Lipinska é confusa, para o bem e para o mal. A dada a altura, é como se ela própria se estivesse a debater sobre se a personagem masculina, pode ser verdadeiramente boa, sendo um daquele tipo de pessoa da qual o comum ser humano foge. A dada altura ela está sim, a brincar com o público, uma forma engraçada de nos enganar e levar a acreditar numa história de amor (isto se tiverem acreditado).
E isto fez-me lembrar uma série que vi, "The Fall" onde, as intenções do homem, que tinha como vicio matar mulheres indefesas, foram logo colocadas na mesa e por isso, a sua aparência fisica, status ou dinheiro pouco importavam para a história, mas no caso de "365 dias" a intenção é precisamente a oposta, distrair o espectador do lado maligno de Massimo, muito como já vimos naquela série da Netflix "YOU". 
Não nos vamos esquecer, de que isto é uma história, é a liberdade criativa de alguém para contar algo que sente vontade de partilhar, mas pelo facto de ser um filme de "mulheres" para "mulheres", foi tomado de ponta, o que também não impede que até para mim, tenha sido difícil ler o final.
Da forma que eu vejo, esta equação no inicio coloca-se assim:
-estamos fartos de ver filmes onde 40 pessoas são mortas talvez em 20 segundos. O que não falta para ai são filmes "masculinos" de "ação" onde todo o tipo de atrocidades são feitas com mulheres, tratadas como condimentos secundários numa injeção de testosterona maluca. Só que ninguém diz nada porque são filmes típicos, que existem há décadas. Quem não se consegue lembrar de um filme onde o mau da fita anda sempre com uma miúda gira no braço e depois a mata por alguma razão? Porque ela o trai com o herói, porque tenta escapar, etc, etc...
A segunda parte desta equação é mais ou menos assim:
-e se alguém, farto de ver estas mulheres, que são tratadas como adereços em tantas histórias predominantemente masculinas, escrevesse um livro sobre elas? Foi isso que Lipinska fez.
Deixem-me dizer-vos, que clichês à parte (porque há muitos, até pelas páginas todas que passei à frente), esta é a história dessas mulheres, que servem de adereços a homens, só que desta vez a ação não se centra no mafioso e sim na esposa. 
A máscara de Massimo, acaba por cair porque a personalidade dele é demasiado violenta, se alguma vez ele gostou de Laura, a dada altura torna-se impossível dizer, no livro ele comporta-se muito mais como um louco do que no filme. Consumo de drogas, implantes localizadores.... o assassino revela-se. 
O tamanho da monstruosidade de Massimo, é como uma pequena bola de neve e, quando Laura percebe que não o consegue conter é obrigada a fugir, tantas vezes, quantas dedos tem. 
E depois é um pouco a história que já conhecemos, ele pede desculpa e ela tenta, tenta mesmo, mas o coração dela, mais do que a cabeça já perceberam que alguma coisa está errada. 
Pede um divórcio, ela tenta fugir dele e quanto mais ela foge mais horríveis se tornam os jogos dele. No final ele deixa-a ir, porque a humilhou e tratou tão desumanamente que há pouco mais dela que ele possa arruinar.
Tal e qual como naqueles filmes de ação onde as mulheres são descartadas como lixo, também Massimo no final se ri e vai embora sem que nenhuma consequência lhe seja aplicada. 
O revoltante nos livros e no filme suponho, é que no final há constantemente uma nota de gozo, como se aquele personagem irritante se estivesse sempre rir de Laura.
Existe uma passagem do livro, em que Laura o acusa de ter morto o seu cachorrinho (esta foi uma das piores partes de se ler, passei à frente) e ele diz que não, que provavelmente foi um segurança, com fome de vingança por ela ter deixado o patrão. 
É nesta última mentira que Laura bate no fundo do poço e Massimo dispara os últimos cartuchos de loucura, prendendo-a dias a fio num quarto, em casa. No final, ele diz-lhe que se consegue matar pessoas, porque raio, não conseguiria matar um animal? 
E foi com esta frase que eu percebi, que a autora esteve, durante o último livro a gozar com a cara de quem achou o filme em alguma parte romântico, que um relacionamento que começa de forma tão abusiva, não pode nunca terminar bem. 
Massimo criou um teatro onde Laura era a peça chave, colocava-a em situações de risco para a poder salvar, fez dela a locomotiva dramática da sua vida, como desculpa para abusar e mal tratar os outros e no final, admitiu-o. E cumpriu a sua promessa, só um ano depois de a ter raptado é que a deixou ir.
Laura não morre, e as suas sequelas psicológicas são de difícil avaliação porque, o livro acaba abruptamente, mas ela termina com quem quis e tem uma linda filha. 
Este final, a juntar a uma mólhada de capítulos que são pão para encher açordas, é como um rebuçado docinho para quem possa ter ficado zangado, afinal de contas foi tudo um grande equivoco, isto não é, nem nunca foi um romance. 
Resumindo e falando do ponto de vista da história (já que fiz o desfavor a mim mesma de ler), gostava que o final tivesse sido uma Laura que conseguisse entregar o Massimo à justiça ou que, pelo menos o tivesse feito sofrer, da mesma forma que ele fez com ela. O idiota continua a chafurdar numa poça de cocaína, prostitutas e a matar pessoas, só porque sim.
Concluindo? Sou uma hipócrita. Gostei e detestei o livro. Gostei porque deu liberdade a esta mulher, Blanka Lipinska, de contar uma história cheia de ação, perseguições e comportamentos desvairados, como já vimos em muitos filmes, geralmente feitos para machões; e detestei porque não é o meu tipo de livro, parece que a mesma coisa está sempre a acontecer, só que com sinónimos diferentes (guilty I know!), do ponto de vista da leitura é extremamente cansativo e fiquei com uma dor de cabeça gigante.
Concluindo aquilo que disse no podcast, este tipo de livros, para mim, é como os desenhos a decorar histórias, há medida que crescemos deixam de fazer muito sentido, mas sei que há público para este tipo de género e ainda bem. É por isso que se escreve, para dar vida algo que muitas vezes, mas pessoas querem ler. Ou não. Há milhões de livros, não se trata de um tamanho que serve toda a gente, mas de pessoas diferentes, com opiniões e gostos diferentes. 

Então pronto, não sei que continuação terão os filmes, mas li os livros, para que mais ninguém passe pela angustia de achar que isto se tratava de romance e para que fique claro, a Netflix comprou o filme por isso mesmo, uma versão PG ainda mais 18 da série "YOU"








Hightlights da Semana

maio 18, 2020

Deixar o combóio descarrilar é um caminho sem volta: primeiro publiquei os hightlights da semana numa segunda feira; a semana passada nem apareci e esta voltamos ao We Love Mondays! Vamos lá, que esta semana o peixe rendeu. 




Já andava com a pulga atrás da orelha quanto a esta série. Numa mistura de aborrecimento com TBBT e as saudades Lucifer, que nunca mais chega para me fazer companhia. Por isso, foi com algum espanto e reticências (cada episódio tem em média 25 minutos) que dei por mim de queixo na mão a tentar decorar o nome das personagens. Uma comédia policial muito mais leve do que aquilo que geralmente aprecio, mas nem por isso menos interessante.



Ninguém sentiu falta do MET este ano? Honestamente, o aparato todo só faz sentido para ver os vestidos e claro! Para ver quem conseguiu ir mais parecido com o Chapeleiro Louco da Alice. Não ligo muito a premiações e, justamente por não ser uma, por ser simplesmente um show off assumido, sinto-me muito mais compelida a ver. É raro ouvir as celebridades a assumirem que gostam de ser celebridades só pelas roupas, os cabelos e as malas cheias de goodies que recebem! Mas uma vez por ano, no 1 de maio lá estão eles, no topo das escadas do MET. Neste video aprendemos duas coisas: que os jornalistas da vogue tem de correr atrás das legendas e das fotografias ao mesmo tempo que os outros veículos de comunicação... conseguem perceber a estupidez? E que esses mesmos jornalistas vestem-se muito melhor que os convidados do MET Gala!


Foi o dia da mãe no mundo todo, menos em Portugal. Nós gostamos de manter as coisas diferentes. O nosso conduzir do lado direito da estrada se quiserem. Eu prefiro assim, um três de maio discreto, sem o dedelho da globalização. No entanto, no dia internacional da mãe o New York Times lançou este artigo sobre mães solteiras por escolha. São quatro mulheres, com histórias de vida muito diferentes, mas que decidem todas ser mães. Sozinhas. Porque querem muito. Muitas vezes ainda fazemos uma carinha triste quando ouvimos falar em mães solteiras, e é preciso pensarmos que já não é assim. Que na verdade nunca foi assim. Que muitas mães, casadas ou com companheiro acabam, mesmo assim, por criar os filhos sozinhas. Foi bonito acompanhar a história de cada uma, com fotografias e pedaços de pensamentos de cada uma.


Nova categoria! Meme da semana. Eu adoro um bom meme. Então acompanhado de uma legenda ainda melhor é um prato cheio. Este é um clássico, mas que esta semana fez bastante sentido porque, querido diário: eu e o meu irmão voltámos a discutir por causa de um pacote de batatas fritas LAYS.


Movement é a música sensual dos últimos trimestre. De vez em quando, surgem estas músicas que oiço e fico: damn girl! Penso logo em dez histórias diferentes para escrever só por causa da música. Foi isso que o Hozier me fez, escrevi um livro em duas horas de viagem. Obrigada. De nada. 


TedTalks daily dispensa apresentações, então vou começar já a dar-vos motivos para ouvirem: nunca dura mais de dez minutos; ajuda-nos a afiar o ouvido no inglês e mais importante que tudo! Dá-nos a conhecer histórias. Neste caso, Hailey Hardcastle é uma jovem estudante de psicologia que nos dá a conhecer o seu percurso com saúde mental e como isso a ajudou a ajudar os outros.
Diagnosticada com depressão, cedo percebeu (aos 6 anos) que se preocupava demais, tinha anseios que as outras crianças não tinha. Assim, a mãe dava-lhe três dias por semestre para que pudesse tomar conta da saude mental dela. Days off. Oiçam o episódio, porque no final esta rapariga, ao perceber que a taxa de suicídios na sua cidade estava aumentar em pessoas da sua idade, fez, em conjunto com a sua comunidade, passar uma lei que, confere três dias a todos os alunos, para que possam descansar, tratar da sua saúde mental. Falarem com os pais. Qualquer coisa para que todos possam estar atento a sinais de alarme.


Foto da semana. Eu e a Luna, a estrearmos a câmara do meu telemóvel. 

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