A falácia do "hard work" e do "se fulano consegue, tu também consegues" mind set

setembro 24, 2020

 Sabem quando começam a ter conversas convosco próprios? Quando ficam tão incomodados com certa fala ou atitude, que até têm comichão? Estou nesse ponto, até pensei em fazer um episódio de podcast sobre isto, mas infelizmente as condições para gravar, não são as melhores. Por isso, vamos escrever e ler.

Nas ultima década, foi despertado um fenómeno que nos arrastou, a nós, e ás nossas expetativas, para um sitio estranho, escuro e húmido. Cada vez mais jovens, graças às redes sociais, fomos expostos a um aumento exponencial do sucesso dos nossos pares. Enquanto uns, foram abençoadas com a boa genética do algoritmo, e descolando numa corrida astronómica em direção ao sucesso, outros, ficaram cá em baixo, a ver, a sonhar com a sua própria ascensão à terra prometida.

As redes sociais são, ao mesmo tempo responsáveis e por responsabilizar. Geraram estes cultos, estas massas que se aglomeravam em torno de certas personalidades, muitas vezes da nossa idade, ou mesmo mais jovens, e de repente, vemos pessoas iguais a nós, com vidas que nos parecem muito distantes. Jovens milionários. Pessoas comuns, que agora vivem numa bolha. As redes sociais, foram dominadas pelos jovens, e agora os seus impérios multiplicam-se, bem como os seus discursos de "hardwork" e "se eu consigo, tu também".

Não é contra as redes sociais que tenho um problema, aliás, esse tópico passa do ponto, eu quero mesmo, é falar destas mensagens terríveis que nos tem sido passadas. 

Imaginem uma personalidade como a Kylie Jenner, bilionário (ou não), algumas das coisas que podemos ler sobre ela, é o quanto ela gosta do seu trabalho. Aliás, esqueçam a Kylie, vamos aplicar isto a todos os empresários, e focar-nos na camada jovem, já que é por essas, que muitas vezes estabelecemos padrões de comparação "ele/a já tem 20 anos e uma casa, eu ainda nem tirei a carta de condução".

O selfmade, o hardwork... bom, é verdade que trabalhar, trabalhar muito, gera sempre alguma coisa, mas não existem aqui outros fatores, que importam? Nomeadamente as circunstancias em que nos encontramos?

É praticamente impossível, não nos sentirmos estranhos, quando alguém da nossa idade têm um império e nós, estamos a tentar decidir se vale a pena gastar dinheiro num bilhete de cinema. Não nos parece natural, mas a verdade é que, por ser uma realidade à qual temos um acesso tão fácil, começamos a achar que se passa alguma coisa de errado. Porque nos sentimos atraídos por aquilo, e começamos a seguir aquilo e quando damos por nós, aquela realidade é muito proeminente na nossa vida digital. 

Mas vamos passar para o plano real certo? Vemos aquele "hardwork" todo, e pensamos "não estou a fazer o suficiente". Bom, não é necessariamente isso, que está a acontecer. Estamos todos a lutar por alguma coisa, T-O-D-O-S, sem exceção. Alguns de nós, produtos das suas circunstancias, vão mais longe. E se calhar, agora, alguns de vocês concordam comigo, mas ainda estão de pé atrás. Vou dar-vos um exemplo, do qual tento lembrar-me várias vezes, para visualizar a situação, para perceber como, ainda assim, as pessoas no ocidentes, não estão tão longe como pensam.

Vou pegar agora no caso de Jeffrey Star (deixar a Kylie em paz um bocado). Já repararam no discurso dele? Do "self-made"? Muito giro, muito fofo, muito tudo. Também é extremamente tóxico, porque faz parecer que, pura e simplesmente, só não enriquece, e tem sucesso, quem não quer. Que ele, trabalhou tanto, que merece aquilo que tem. De facto, não duvido que trabalhe muito.

Mas o Jeffrey, se esquece-se de uma coisa. Das suas circunstancias. Que sim, eu sei que foram horríveis, que sofreu e teve uma vida dificil, até certa instancia, mas e depois? Ele nasceu num país de economia relativamente livre. A dada altura, as coisas começaram a resultar para ele. O gene do algoritmo dele bateu no teto. As redes sociais, permitiram que se alimenta-se da sua persona. Em algumas partes do mundo, essa possibilidade nem sequer existe.

O que eu me esforço por ouvir, quando oiço um milionário falar do seu sucesso, do seu hardwork; são as pessoas, do outro lado mundo, que trabalham horas a fio, em condições miseráveis e que provavelmente, nunca vão ter a sorte, de ser envoltas em circunstancias boas o suficientes, para saírem daquele patamar de, quase escravatura. As pessoas, fechadas em fábricas, a fazer embalagens, roupas, maquilhagens, durante horas a fio, a receber, muitas vezes, nem um dólar, por dia. As pessoas, que alimentam o selfmade dos jovens milionários (e dos outros também). E essas, essas são pessoas trabalhadoras, ou não? Não trabalham mais do que o Jeffrey? Do que a Kylie? Do que o Amancio Ortega?

Essas pessoas, são também produto das suas circunstancias, menos abundantes. Então, não, não é toda a gente que consegue aquilo que personalidades de culto conseguem. Uns, mais do outros, tem menos sorte (sim, a sorte existe), e isso não faz de ninguém, menos trabalhador. A verdade é que, estas vedetas, constroem à sua volta um castelo de brincar, onde a sua narrativa de "olha de onde vim, e onde estou" faz com que haja uma identificação, planta a esperança e cria expectativa, que inevitavelmente, gera frustração. Porque não, não temos todos o gene do algoritmo, a sociedade não sobreviveria dessa forma. 

Cada um de nós, à sua maneira, produto das suas circunstancias está a fazer o que pode, para ir em frente, naquilo que mais gosta de fazer. E nem sempre dinheiro é sucesso. Uma mansão aos 17 não é sempre uma coisa boa. É óbvio que é engraçado pensar nisso. Eu própria penso nisso, falo sobre isso com os meus amigos. Aliás, bons momentos, aqueles em que, com a testa em cima da mesa na universidade, gemia por uma vida mais fácil, "oh Deus, a tua filha está preparada para o euromilhões". 

Mas sabem que mais? Agora, pensando nesses momentos, de eterno desespero, as coisas são bonitas e simples, porque, olhando para trás, eu não trocava isso, por outra coisa. Palavra de pessoas que vive mais no futuro, do que no presente. Aquilo que a vida nos reserva, de determinado momento, para a frente pode ser sonhado, mas invejar tanto o presente de alguém, desdenhado do nosso, isso é preocupante. 

Cada um, consegue aquilo que consegue, com as ferramentas que tem à disposição







Tomem, como exemplo, alguns dos homens e mulheres mais ricos do mundo. Passam o dia a sair e a entrar de reuniões, tem de facto muito trabalho, muitas responsabilidades e não duvido por um segundo, que seja trabalhadores, que tenham lutado pelo seu lugar. Mas depois, aquele "eu não era ninguém, se eu consegui..."

Se ele conseguiu, teve aquilo a que eu chamo, um conjunto absolutamente maravilhoso de circunstâncias. Porque do outro lado do mundo, estão pessoas, a trabalhar muito duro e que provavelmente nunca vão sair do mesmo lugar, porque as condições não são as mesmas. Alguém duvida de que pessoas, enfiadas dentro de fábricas 14 ou 18 horas por dia, não sejam trabalhadores? Há alguma coisa no seu trabalho duro e mal pago que justifique a sua posição social? Há, de facto. O capitalismo. Porque no outro lado do mundo, uma pessoas que talvez considere a sua situação precária, teve acesso a coisas maravilhosas, que lhe deram trabalho, mas o levaram mais longe.

Nós somos produto das nossas condições envolventes. Este padrão pelo qual nos tentamos guiar, e que está amplamente difundido nas redes socais, e que nos faz sentir miser


um jovem influencer, com uma marca gigante, que se filma o dia inteiro a trabalhar, a sair e a entrar de reuniões. Realmente, parece-me cansativo. Mas agora, vamos puxar o fio. Vamos desenrolar este novelo. E as pessoas que fazem com a infraestruta se mova

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