Literatura e "des"literatura || Reflexões Lixadas
maio 13, 2020Comecemos por hábitos de leitura. Vocês tinha alguém que vos lesse em pequenos? Eu tinha. Todas as noites, religiosamente a minha mãe lia-me um livro da Anita (Martine agora). Depois, antes de saber ler, comecei a escrever histórias enquanto brincava. Contava-as em voz alta e corria desesperada para casa, na azafama de montar os cenários e recomeçar de onde tinha deixado a última cena.
Isto foi tudo evoluindo e, olhando para trás, é fácil perceber que sempre gostei de histórias. Posso nem sempre ter adorado ler ou escrever, mas gostava de consumir produtos que me contassem algo.
E fui puxando para colo livros como "mar, azul mar". Depois coisas mais densas como Hunger Games. Consumi bastante nessa categoria, aliás lembro-me de mal comer enquanto lia os jogos da fome. Na verdade também mal dormia. Foi assim que comecei a gostar de ler. Mergulhei de tal forma naquele mundo, que foi como se tivesse deixado de existir. Uma experiência mesmo à la Avatar.
E é querido ver uma miúda de 14 anos agarrada a um livro de aventuras, não se pode dizer muito disso. O pior veio depois, quando começamos a ler outro género de livros, pelo menos eu devo admitir que vivi uma fase "água com açucar" onde tudo aquilo que gostava de ler eram romances. Uns piores, outros melhores, a minha questão começou quando percebi que as pessoas questionavam esse hábito. "Há tantos livros bons para leres" ou "Leste uma coisa dessas?" e isto ia desde Crepúsculo a 50SOG, também se passou um bocado quando o John Green saturou a imagem dos seus livros junto do grande público.
Esta sátira da literatura, este linchamento coletivo a certos autores, livros, histórias e personagens que atraiam grandes camadas, começou a ser normalizado, como se aquelas pessoas não tivessem ao mesmo tempo o direito de ler e escrever histórias assim.
Custa-me imenso ver alguém ser julgado pelos seus hábitos de leitura, sejam eles quais foram. Numa época, em que a maioria das pessoas afirma não ter tempo para ler, ou mesmo não gostar, é incrível que ainda existam pessoas dispostas a sentarem-se para cozer letras e palavras numa narrativa, seja ela qual for e vamos agora julgá-las por isso?
Pergunto-me eu, de mim para mim enquanto visto o pijama, "É melhor ler aquilo que nos apetece ou não ler, de todo?".
Prefiro um mundo onde as pessoas decoram as frases que o Edward diz à Bella, do que um mundo onde ninguém lê. Prefiro ter uma conversa sobre esses personagens, do que ouvir alguém dizer-me "Não gosto de ler".
Que gosto é esse de diabolizar as preferências literárias dos outros? É mágico que as comunidades literárias se unam para amarem um livro, é realmente preciso desprezar essas pessoas? Que gostam daquilo que um escritor escreve?
Não leio muitos romances agora mas, momentos houveram em que era tudo aquilo que me fazia sorrir. Depois de um dia inteiro a bater com a cabeça nas paredes para decorar matéria, sabiam-me bem aqueles dez minutos de mel entre um Hardin e uma Tessa.
Se não soube bem chegar ao fim de "Cem ano de solidão"? Foi como chegar ao topo de uma montanha e ver, do topo, o mundo maravilhoso que me tinha acabado de passar à frente, mas uma coisa tem que anular a outra? Deixo de ter "gosto literário" por ler um romance? Deixo de ser levada a sério por isso? Também gosto de banda desenhada, quem é que me vai atirar a pedra agora?
A literatura não tem cá "des"literaturas, especialmente num momento, onde as pessoas comem imagens com os olhos, sem os usarem para, lentamente, percorrer um caminho a preto e branco, mas cheio de cor.
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