Niall Horan Flicker Worl Tour Reportagem
junho 15, 2018
Niall
Horan Flicker Worl Tour
Este ano, a romaria não
é a Fátima... é ao Coliseu dos Recreios
Sara Cardoso
Faça chuva ou faça sol (e fez
mesmo!), dormem à porta do coliseu de Lisboa durante três dias. São raparigas e
(alguns rapazes), sentem como nenhum outro grupo de adolescentes e adultos. Podia
ser uma romaria para pagar uma promessa, mas é Niall Horan que volta a
Portugal, desta vez a solo, despertando a legião de fãs adormecida dos One
Direction.
São
6:53 da manhã no coração de Lisboa. Ao virar na Rua Condes, que dá acesso ao
Coliseu dos Recreios, um batalhão de raparigas está alinhado numa mesma direção.
Há raparigas a perder de vista e, quanto mais se anda, mais corpos se veem.
As
primeiras da fila estão enfiadas em sacos de cama. Há tantas pessoas debaixo
dos mesmos cobertores que é difícil saber onde colocar o pé. À medida que a
fila avança, a quantidade de mochilas e sacos diminui, mas os sorrisos
aumentam. Estão cá há pouco tempo, frescas e prontas para o dia que esperam
desde setembro, quando receberam a notícia de que o seu ídolo, Niall Horan dos
One Direction, voltaria a Portugal, desta vez a solo.
“Isto é uma doença saudável, não incomodamos ninguém”
A
dormir nos degraus da entrada estão cinco amigas. São as primeiras da fila e
estão todas debaixo das mesmas mantas. Duas delas sorriem e ajeitam-se no
emaranhado de pernas que não as deixa dormir. Shemin Moti e Cláudia Nogueira
estão cansadas e dizem que não dormiram bem. No entanto, nem sempre foi assim,
Shemin tem 20 anos, é de Lisboa e conta: “A primeira noite foi bastante
divertida, dormir no chão nem tanto, mas vale a pena. As pessoas estão todas em
stress e eu não tenho que me preocupar porque já cá estou.” Sobre estar a
dormir na rua à espera de um concerto, diz de forma muito séria: “Isto é uma
doença saudável, não incomodamos ninguém e deixa-nos felizes. O ambiente é superdivertido...
há confusões, mas é divertido.”
Vânia
tem 17 anos e também é de Lisboa. Espreita para fora do saco de cama e comenta,
a rir, a reação da avó que lhe ligou todos os dias porque não percebia o que se
estava a passar. “A minha avó ligou-me na quinta-feira a perguntar onde é que
eu estava. Respondi-lhe que estava à porta do coliseu. Sexta-feira, tivemos
exatamente a mesma conversa e ela ficou confusa. Confirmei-lhe que o concerto
era só sábado.
Quando
ela percebeu, perguntou-me se eu estava maluca, que só a deixava preocupada. Perguntava-me
o que é que comia e bebia... como é que me tapava.”
Quanto
mais tempo passa mais raparigas aparecem e surgem objetos que são verdadeiras
odes de amor: Mochilas com as caras dos ídolos estampadas, ténis escritos com
dedicatórias e promessas de paixão eterna. Uma ou outra rapariga exibe um passe
VIP à volta do pescoço. Essas merecem um segundo olhar, afinal de contas não
precisaram de dormir cá fora para conseguir algo que a esmagadora maioria não
vai conseguir: falar com Niall.
Ao
avançar pela fila que aumentou drasticamente desde as 7:00 da manhã, as caras
de preocupação começam a surgir. As primeiras da fila agarram numa caneta e
começam a escrever números de chegada nas mãos dos novos membros do cordão
humano que se forma. Aqui ninguém vai passar à frente.
“Eu não gostava
dos One Direction”
Inês
de Castro tem 18 anos e vem do Barreiro. “Os meus pais acham normal,
deixaram-me dormir no concerto da Ariana Grande o ano passado.” Para surpresa
de mais duas raparigas que estão mais à frente, Alexandra, de 19, que veio com
Inês, interfere e diz: “Eu não gostava dos One Direction, acho o trabalho deles
individual muito melhor do que enquanto grupo.” Uma opinião que choca, mas que
se vê repetida por alguns acenares afirmativos.
Por
volta das 11:30 já seis pessoas partilham os mesmos metros quadrados de chão. Ainda
há mais para chegar e o nervosismo aperta. As que já chegaram têm medo que as
amigas que estão por vir sejam expulsas para o fim da fila. Por volta do meio
dia, algumas raparigas decidem ver até onde vai a fila. Voltam com sorrisos
nervosos e jubilantes. “Não estamos assim tão atrás, a fila já dá a volta e
sobe pelo menos quatro quarteirões.” Neste momento, os números que têm na mão
tornam-se especiais e tentam torná-los permanentes com a ajuda de canetas. Esta
é a garantia de que ficam tão perto quanto possível.
Pelas
14:43, o sol é exigente e extenuante. Escondem-se cabeças debaixo de casacos e
garrafas de água nos parapeitos das montras à sombra. Um comerciante engraça
com a multidão nova que se move em frente da sua loja. “Chicas que tal?”,
pergunta, enquanto faz o toldo avançar e proteger as “peregrinas” movidas pela
fé de serem as primeiras.
Ouve-se
um agradecimento coletivo e começa a primeira cantoria do dia. São um coro
afinado que começou à porta do coliseu a agora percorre as ruas repletas de
gente cheia de ansiedade. “Slow hands”, gritam quando chegam ao clímax da
música. Niall não parece tão exigente quando chega perto das 15:00 ao local e
desaparece tão depressa como apareceu. Isto gera um corrupio: algumas ficam
calmamente para trás a tomar conta das mochilas, enquanto outras correm em
direção às portas do coliseu. Quando voltam têm o desapontamento espelhado na
cara, não o viram. A tarde passa lentamente, reclama-se da água que aqueceu ao
sol e da chuva que caiu no entretanto indeciso da meteorologia. Toda a gente se
anima e começa mais uma vez o concerto improvisado no qual estas raparigas se
tornaram especialistas ao longo do dia. Por volta das 16:00, dá-se a primeira
baixa neste exército. Uma rapariga é levada por uma ambulância. Segredam-se
motivos e rumores de pais irresponsáveis que deixaram a menor de 15 anos vir
sozinha do Porto. Tenta-se voltar à cantoria, mas nem isso salva o péssimo
humor e cansaço de quem já não se levanta do chão quando a fila anda.
Às 18:20, a fila transforma-se. O que antes
era um conjunto heterogéneo de pessoas deitadas e sentadas torna-se uma
compressão de mãos dadas e pulinhos de alegria. Estão tão perto que imaginam Niall
em todas as janelas do coliseu. Cada movimento de cortina é um incentivo a um
grito de guerra. Estão prontas, empunham bilhetes como bandeiras de vitória.
Catorze horas de espera refletem-se num abandono total das raízes que criaram durante
o dia umas com as outras. Perdem-se das companheiras e correm tão depressa que
tropeçam nas escadas. Quando finalmente entram, tentam tal como numa batalha perceber
a melhor zona para se posicionarem. A sala compõe-se e procuram as companheiras
perdidas durante o embate da entrada. Estendem-se braços e ligam-se lanternas.
A
primeira convidada da noite é Julia Michaels. A cantora pop que aquece as vozes
da multidão com músicas bem conhecidas da rádio. Escreveu letras para Justin
Bieber e Selena Gomez e é com esses singles
que pede às miúdas que liguem as luzes dos telemóveis. Canta um tema original seu,
Jump e pela primeira vez o público sossega.
Quando Julia grita “Saltem” e todos o fazem o chão move-se. Então, param a
sentir o movimento e riem enquanto cantam e saltam com ainda mais força.
É
a sua última noite a abrir a tour de
Niall. As lágrimas pela primeira vez, não partem do público, mas sim da intérprete.
Despede-se não sem antes pedir para filmar o público: está encantada com o mar
de pessoas que tem à frente e não pára de sorrir. Agradece a Niall pela
oportunidade e sai pelo lado direito do palco.
Durante
mais de 15 minutos, o cenário é decorado com tapetes persas que originam um
ambiente intimista e caloroso. Qualquer movimento origina uma expetativa muito
semelhante a uma montanha russa. É ele e a seguir já não é. Pessoas que estavam
na sexta fila são empurradas para a terceira. A ansiedade cresce.
“Se estão a viver o momento através das lentes, estão
a fazê-lo da forma errada”
Pelas
21:42, com 12 minutos de atraso e de guitarra colada ao corpo, Niall surge com
calças cinzentas e t-shirt branca. Sorri e dedilha os primeiros acordes de On the Loose que se revela a dose de
energia necessária para este público cansado do longo dia.
Niall
salta para o tom nostálgico, lento e calmo que compõe a maioria das canções do
álbum Flicker, com This Town, o seu primeiro single a solo, o que faz com que uma grande
maioria do público comece a comprimir as glândulas lacrimais. Rimel e eyeliner que escorrem negros pelas
bochechas coradas de quem chora e tenta cantar a plenos pulmões. Niall não é
propriamente um cantor exímio e isso reflete-se no tom mais baixo que alcança
quando as notas mais altas do original chegam e tem de as imitar sem ajuda.
Mas
ninguém liga porque todos estão ligados a outra coisa. Estendem as mãos para o
palco como se estivessem mesmo à frente dele. É uma ilusão bonita que as faz
gritar cada vez mais alto.
Tudo
acalma quando as primeiras notas de
Dancing in the Dark, de Bruce Springsteen, enchem o ar. Isso parece
despistar o público, mas promover algum alívio aos pais perdidos. Finalmente,
alguma coisa que lhes é familiar.
Durante
a maioria das músicas, Niall mantém-se concentrado no que faz. Quando chega a
vez de tocar Flicker pede que baixem
os telemóveis: “Sem querer pedir muito, gostava que guardassem os vossos
telemóveis... Esta música é especial para mim e se estão a viver o momento
através das lentes, estão a fazê-lo da forma errada.”
Apesar
do pequeno “sermão”, Niall está feliz. Sorri e brinca com os seus músicos, faz
trocadilhos engraçados com letras de canções, que salpica com notas desconexas
na guitarra, causando momentos de humor e descontração.
Ao
contrário de muitos artistas que o acompanham nas tabelas da Rolling Stone e Billboard, não se limita a “despejar” o reportório a que se
comprometeu. Ou a fingir que canta. Cada música pede uma guitarra diferente e
um ajuste especial, incluindo quando se senta ao piano. Um pouco desconfortável,
limpa as mãos nas calças. “Não costumo compor ao piano ...mas escrevi esta
letra que nunca cheguei a colocar no álbum. Se a tiverem ouvido na internet
cantem, senão...não cantem”, diz em tom de brincadeira, talvez para sacudir os
nervos do corpo.
No
final, quando a temperatura do ambiente não pode subir mais e os corpos suados
imploram por algum ar fresco, notas conhecidas de todos ecoam no ar. Drag Me Down, o último single dos One Direction sai-lhe do
peito com tanta força que só não supera as vozes das 4300 pessoas que se sentem
completamente rendidas à nostalgia dos anos passados a admirar a boysband.
No
final, Niall faz questão de deixar suspense no ar com um “até à próxima,
Lisboa”. E desaparece tão calmamente como entrou. As fãs gritam e correm para
fora do recinto, saltam à volta de adultos com caras cansadas, pedem dinheiro
para comprar meias, camisolas e porta-chaves.
Há
grupos sentados na calçada, sorrisos de êxtase e partes do corpo que não mexem.
Mais de metade das raparigas tem as bochechas molhadas e não porque algum rapaz
lhes partiu o coração. Desta vez, a escolha de chorar por alguém... foi delas.
1 comentários
❤❤❤
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