Lá onde o vento chora | Delia Owns Opinião

agosto 19, 2019


            Não me lembro, se alguma vez um livro operou em mim uma mudança tão dramática. Um crescimento de personalidade tão brusco, num curto espaço de tempo.
“Lá onde o vento chora”, de Delia Owns, transporta-nos a uma América do século passado, pautada pelo preconceito.      


Livro: Lá onde o vento chora
Autora:Delia Owns

Preço: 16.92 € (na wook)
Páginas: 392
ISBN: 978-972-0-03220-1



Quando Chase é morto na pequena cidade de Barkley Cove, todos os olhos se viram para a miúda que vive sozinha, desde pequena no pantanal.
Kya, têm seis anos quando é, lentamente abandonada por todos à sua volta. É reflexo de uma família disfuncional, onde a mãe é a primeira a partir.
Li algures, que este era um livro lento, e de facto é. No entanto, não fosse essa lentidão, como poderíamos nós acompanhar mais de quinze anos de crescimento pessoal? A magia que se opera diante dos nossos olhos é assombrosa. É um livro, sinceramente tão bem escrito, como imaginado, dividido em dois tempos; capítulos sobre a vida de Kya, e capítulos dedicados à investigação do homicídio de Chase.
 A narrativa engole-nos e faz-nos escorregar pelo crescimento de Kya, dos anos mais tenros, à mulher que se torna.
A inteligência, paciência, resiliência e bondade com se conecta à natureza são um reflexo da forma como consegue transformar na nossa imaginação, um sitio moribundo, como um pantanal, num jardim de Éden.
A sua fome, tão literal como metafórica pelos outros, é um eco da humanidade primitiva que ainda vive dentro de todos nós. Há um momento, em particular, depois de o pai a abandonar, em que Tate, um velho amigo de um dos irmãos, a chama pelo nome, e ela se torna quase transcendente a tudo. As letras que compõe o nome dela, ditas por outra voz, são a confirmação de que ela ainda existe.
O crescimento de uma personagem nunca foi tão detalhado, e é nos momentos de viragem, em que a sua natureza selvagem ganha peso, que o seu comportamento espelhado na natureza se sobressaí. Esses foram os meus momentos favoritos do livro.
E por fim o homicídio, o mistério que alimenta a nossa curiosidade. Nem isso pecou. Havia duas saídas até à ultima página: ou vivíamos na ignorância como todos, ou o mistério nos era revelado, no ultimo paragrafo. 
E é engraçado, como a resposta esteve sempre lá, na obsessão natural de Kya, para observar as diferentes famílias presentes no reino animal.
Este livro alterou o meu ponto de vista em relação a várias coisas, mas sobretudo, contra o preconceito. Mais vale falar, do que morrer engasgada.
E por fim, para quem quer ler o livro, deixo uma pista:

Kya velejou, erguida e mais tarde protegida pelo vento.

Pessoas Normais de Sally Ronney | Opinião

agosto 08, 2019


Pela primeira vez, fui tirando notas enquanto lia o livro e isso ajudou-me a compreender a evolução do meu pensamento, enquanto me ia embrenhando cada vez mais na história. Pessoas normais é exatamente isso , uma evolução de narrativa muito longa, encaixada em 248 páginas.

Livro: Pessoas Normais
Autora: Sally Ronney
Preço: 15, 75€ (na wook), o preço normal em outras livrarias é 17,50€
Páginas: 248
ISBN: 9789896419363

Nas palavras da contracapa, Connell e Marianne cresceram na mesma cidade, numa Irlanda conservadora; mas são separados pelo destino fatídico do estrato social e claro, de popularidade do secundário. 
Enquanto Connell, tem tudo para ser o típico clichê americano (irlandês no caso), jogador de futebol, lindo e muito inteligente; Marianne é considerada estranha e passa os dias sozinhas, a olhar de cima para os outros. 
Quando as vidas de ambos se cruzam, a atração é fatal, no entanto, ao contrário de um mero caso de paixão louca, cresce entre eles uma amizade, que ao longo de quase cinco anos, nunca se consegue perder, por muito que tentem.
Eu podia continuar a descrever a história, mas penso que passa ao lado do ponto principal: este livro não é nada daquilo que parece, e já lá chego.
É uma adaptação inicial complicada à escrita de Sally, principalmente porque não há separação do que é uma fala entre personagens e a descrição de uma cena. Para além disso, as discrições têm uma dosagem diferente. São descrições muito mais psicológicas do que do espaço em si. Há a sensação de que estamos permanentemente a observar a vida intima de alguém.
No entanto, embora a ausência da descrição do espaço físico me tenha chateado um pouco ao inicio, a autora tem uma queda para aquilo que é “inútil” em termos de acrescento às cenas, o que é extremamente encantador. Pelo menos para mim, que me encontrava à procura de segundas explicações em tudo, e as quais ela estava mais do disposta a dar-me.
Voltando ao ponto em que menciono que nada é o que parece; a verdade é que, é um livro que acompanha o crescimento dos personagens, literalmente. Os capítulos são medidos por “um mês depois” ou “seis meses depois”, no entanto nunca ficamos com a sensação de ter perdido nada do que se passou. Por isso, talvez a forma leviana e clichê do inicio seja tão importante. 
Quando temos 17 anos, vemos o mundo de uma forma mais simplista, um tanto cor de rosa, o mundo resume-se a uma pequena aspiração universitária e ao mundo que é o secundário, e há medida que envelhecemos, percebemos que aquilo não passou de uma bolha. Foi isso que aconteceu aos personagens 
À medida que crescem e os anos se passam o livro torna-se mais sombrio, mais real. As revelações de personalidade de ambos, mas especialmente de Marianne tornam-se mais chocantes. Há um momento em que Marianne se pergunta, se talvez as diferentes fases da sua vida não sejam, a mesma triste repetição, vezes e vezes sem conta. Nessa altura, no entanto, senti que o se estava a passar, era que o seu entendimento do passado, estava a ser feito pelo seu “eu” adulto, o que torna aquilo que outrora foi triste, realmente deprimente.
Fiquei surpreendida, pela quantidade de tópicos de discussão atual que o livro toca, desde violência domestica, relações abusivas a depressão e suicídio. Estes são temas importantes, no entanto ainda bem que o livro não é caracterizado pelos mesmos, são antes, abordados de forma natural.
A perspicácia, capacidade construção e análise da economia e política irlandesa, são igualmente bem argumentados, o que é refrescante.
Para ser sincera, a forma fluida e rítmica com que o livro é escrito, esconde muito bem a sua complexidade, e embora nunca tenhamos que parar, para refletir no que estamos a ler, sabemos que é profundo.
Um excelente livro. Foi a primeira vez, em muito tempo, que não me pareceu que estivesse a ler, antes, era como se estivesse a espreitar, de uma forma muito coscuvilheira para vidas simplesmente...normais.


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