Murakami tornou-se, nos últimos meses, uma espécie de guia naquilo que, para mim, deve ser a literatura. Para fazer uma pausa no final pesado de "1Q84" mergulhei num dos seus contos "Assaltos à Padaria", uma critica estranha ao comunismo e capitalismo.
A premissa era simples: dois contos, sobre dois assaltos a padarias, unidos por uma fome incontrolável.
Não há nomes neste conto, na verdade, tal como em "1Q84" o único nome que encontramos é o de Wagner, um compositor alemão. Há uma ligação especial entre a música e Murakami.
No primeiro conto, dois amigos sentem uma fome descomunal, mas num Japão ainda movido pela recessão, não têm dinheiro, assim decidem assaltar uma padaria. Numa tentativa de se proteger, o padeiro faz com os dois rapazes um pacto, que mais parece uma maldição, do que propriamente uma resposta amigável a um assalto.
No segundo conto, um dos rapazes, anos mais tarde, já casado, acorda a meio da noite. Tanto ele, como a esposa, sentem aquela fome, que os parece engolir por dentro. Voltam ao ataque. Desta vez, a hipóteses de irem pagar pela comida já se coloca, mas, em vez disso, acabam por assaltar um Mc Donnalds.
Murakami é Murakami e por isso, nada é aquilo que esperamos ser. Ele arrasta-nos para este céu aberto de possibilidades, onde as coisas mais mirabolantes nos parecem razoáveis, mais ou menos, como aqueles sonhos tolos que temos, mas que, quando acordamos, nos parecem normais... é uma das melhores sensações que posso ter ao ler alguma coisa. Não me questionar constantemente sobre a veracidade das coisas, tomando-as como certas.
Este é óbviamente um livro bem escrito, com toneladas de imaginação, com um bónus de ser ilustrado (e que ilustrações de cortar a respiração), mas mais que isso: a critica.
Não encontrei nada sobre a parte critica que Murakami construiu no livro, então, aqui vai uma interpretação livre.
No primeiro assalto, os dois rapazes não tem dinheiro, já passaram pela experiência de comer folhas de girassol. Estão por tudo e por isso, assaltam a padaria. Comem o pão que querem ao som de Wagner e depois desaparecem.
Anos mais tarde, essa fome volta, para assombrar um deles. Aqui, a hipótese de assalto já não se lhe afigura normal. Agora já tem dinheiro. Agora há como comprar pão. Mas a mulher diz-lhe que aquilo é uma maldição, e deve ser quebrada, como foi começada. Eles não tem porque assaltar uma padaria e tão pouco encontram alguma. Em vez disso, assaltam um Mc Donnalds e levam consigo 30 Big Macs, que comem à frente de uma empresa da Sony.
Tudo isto, a forma como os comportamentos se alteraram, bem como a paisagem, parece-me mais uma critica ao capitalismo e à forma como o ocidente se apoderou da cultura Japonesa. Aquela imagem, deles os dois a comer um hambúrguer americano, em frente a uma das maiores empresas do mundo livre, parece-nos tão estranha que é impossível não nos rirmos.
Um livro bonito, aquilo que esperava de um conto, uma das minhas forma preferidas de narrativa.